quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

La Mancha

Hoje eu acordei e finalmente entendi.

Que meu alazão não passava de um velho pangaré. Minha armadura, um remendo de madeira e latão. Minha lança era apenas uma vara de bambu  Meu escudeiro apenas um ladrão. Minha amada era apenas a miragem. E toda aventura era apenas a paisagem.

Mas também entendi que os mais nobres cavalariços em suas nobres montarias com estandartes, espadas e armaduras bem polidas. Nobres de todo canto vestindo toda cor, carregando todo o título, bradando todo louvor de quem pode ser o que eu sempre quis. Todos que riram de mim, de fato, riram de si.

Hoje eu acordei e finalmente entendi.

Queimei todos os meus romances de cavalaria, não preciso deles para onde vou.

Eu não preciso ser o que eles querem que eu seja. Basta passar a enxergar com os meus próprios olhos e entender. Virão dias de tempo bom e também tempestades avassaladoras. Haverão amigos e inimigos, amores e desencantos. Haverão também peças de teatro e sonhos com a terra de cafés da manhã infinitos.

Hoje eu acordei e finalmente entendi.

Que o tempo todo fui eu o autor do próprio romance que rasurei em tragédia. Mas sei que virão dias melhores. Sei que vou estar vivo pra ver. E vi um futuro onde não era o cavaleiro que antes sonhara, mas era contente por quem me tornei tentando ser. Me vi como alguém que muda alguma coisa. E sim, existem os heróis.

Também vi tempos difíceis. Vi noites sem sono e dias longos e duros. Vi chuvas que duraram dias, mares turbulentos no inverno e o cheiro de alguma coisa queimando. Eu vi amores em quebranto e nos espelhos me acabando, definhando, morrendo aos poucos.

Mas pela última vez, tentei me lembrar o que hoje finalmente entendi:

Mesmo que nada esteja bem, esses dragões são só moinhos de vento.

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"O ser humano se transforma de acordo com o que pensa. Somos o fruto de nossas obras" (Miguel de Cervantes)

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