terça-feira, 16 de outubro de 2012

Nada

Feliz pior dia do ano pra mim.

Eu poderia escrever mais um texto gigante e bem elaborado. Poderia dar o melhor de mim para "celebrar" essa data "memorável". Poderia criar algo emotivo, forte, chocante que me arrancasse lágrimas durante sua construção.

Mas não. Hoje não vou escrever nada.

Não vou fazer nada. Não vou falar, não vou escrever, não vou cantar, não vou tocar, não vou dançar, não vou pensar, não vou lembrar, não vou chorar, não vou tentar de novo.

Hoje não vou falar do amor, não vou ouvir as músicas, não vou sentir saudades. Não vou acalentar, não vou sofrer, não vou correr. Não vou beber, não vou fumar cigarros, não vou paasar a noite pensando no amanhã.

Hoje não vou fazer nada. Hoje não vou falar nada.

Porque é isso que sobrou de mim, nada.

Hoje me reservo o direito de amaldiçoar esse dia. Hoje me reservo o direito ao ódio, ao desprezo, ao desejo de virar a mesa. Mas faço isso calado, como deve ser.

O meu silêncio representa o luto. Porquê os mortos não falam. Os fracos não são ouvidos. Eu sou uma mistura dos dois. Uma parte morreu há cinco anos atrás. A outra, por mais que fale, por mais que grite, por mais que tente chegar à superfície jamais será ouvida.

Mas eu nunca vou esquecer. Eu nunca vou perdoar aquela pessoa que morou aqui antes de mim. Antes que eu, sendo quem sou hoje, assumisse essa vida que me foi deixada como legado de um perdedor, de um covarde.

Vou sofrer calado, vou nutrir essa raiva dentro de mim todos os dias. Vou deixar que ela me mantenha sempre alerta, acordado, vivo.

E nunca vou dar a vocês o prazer de ver uma lágrima correr pelo meu rosto. Não hoje. Não nessa vida.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Um último diálogo nas escadas

Quinta Feira, 11 de Outubro de 2012

Dizem que o bom escritor é aquele que prende o leitor e faz com que ele sinta-se próximo, identifique-se com o autor da obra.

Também dizem que contar uma história triste, a mais triste de todas é um meio bem rápido de criar um forte laço emocional com o leitor e mantê-lo preso até o fim.

Então vou dar o melhor de mim. Se leu até aqui saiba que o que segue pode mudar seu dia. Pra melhor ou pior, depende do seu ponto de vista. Eu busco conforto na ficção, uso metáforas, não me exponho, mantenho certa distância do que escrevo, mas o que narro a seguir realmente aconteceu comigo

Era quinta-feira como hoje, em 11 de Outubro de 2007. Eu era bem mais jovem e imaturo, todos nós éramos. Eu cursava o primeiro ano do Ensino Médio e estava no ápice da adolescência, mas era um poço de ingenuidade.

No fim da aula, descendo escadas, ouvi a voz de alguém me chamar. Do topo do primeiro lance de escadas, vi ele acenar.

Leó era meu melhor amigo. Estudávamos em turmas diferentes, eu era do 1ºG e ele era do 1ºH.

Ele queria passar o Fim de Semana na minha casa. Como era feriado na sexta feira, obviamente não teríamos aulas. Ele queria ajuda com uns trabalhos, jogar um futebol e coisa e tal.

Leonardo era um nome desconhecido em casa. Para nós, era Leozinho (por causa da estatura, menor que a de um garoto de 15 anos geralmente teria). Desde os nove, era muito presente na minha família. Era tão "de casa" que minha mãe foi sua madrinha de batismo. As pessoas sempre achavam que éramos irmãos (apesar de não haver qualquer semelhança física) e essa ideia geralmente não era desmentida. De certa forma, éramos irmãos, fomos criados praticamente juntos.

Depois de um diálogo rápido, expliquei que estava indo pra casa da minha vó, que não estaria em casa no fim de semana. Que ficaria pro próximo. Eu não disse, mas ultimamente, eu não suportava minha casa.

Nessa época morávamos em outra cidade. Casa grande, bonita e com um aluguel bem mais baixo do que em Ribeirão. Compensava o sacrifício de ter que viajar para ir para a escola. E tudo ia bem. Mas tem coisas que são inexplicáveis.

Um homem trabalha duro a vida inteira, todos os dias chega em casa e encontra conforto na família. Mas um dia, subitamente, ele decide que não quer mais viver lá. O resto é detalhe, pouco importa. Não sei se vai ler isso, mas caso o faça saiba que não guardo ressentimento. Apesar de sentir falta das palavras, dos conselhos e até mesmo dos sermões a vida teve de continuar, cada um segue o destino que escolhe, respeito isso.

Desde então, aquela casa tornou-se um mausoléu, a tumba daquilo que já foi um lar. Tudo se tornou frio e sem vida, as cinzas de algo que já foi belo, mas o destino quis que fosse tomado pelas chamas da circunstância. Talvez pelo inconformismo da minha mãe, talvez pela perda da união familiar ou besteira do gênero. Aquela casa deixou de ser nosso lar. Eu não me sentia bem ali. Não mais.

Mas voltemos ao meu diálogo nas escadas com Léo (ou Léozinho, para que fiquem mais à vontade com o pesonagem).

Nos despedimos um do outro. Apressado, desci as escadas. Eu tinha uma caminhada de quase quatro quilômetros.

Mas como eu disse, eu era um poço de ingenuidade. Eu era puro até demais. Ainda não entendia como algumas coisas funcionavam.

Dizem que o amadurecimento é um processo longo, lento e gradual. Acredito que isso seja verdade, mas as vezes somos obrigados a crescer rápido demais. A culpa faz parte disso. A dor, o fracasso e raiva fazem você crescer logo antes de te matar, difícil é saber em qual ponto uma coisa se torna a outra. Acho que parei bem no limite entre o que não mata e fortalece e algo que destrói o ser humano. Meu rápido crescimento começou ali naquelas escadas e deixou cicatrizes permanentes.

Eu não sabia, mas aquele diálogo que tive com Leonardo nas escadas foi nossa última conversa. Foi a última vez que vi seu rosto, a última vez que ouvi sua voz. Como se não tivesse valor, sua vida foi simplesmente arrancada de si nos seis dias que seguiram-se. Todos os seus anseios, planos, desejos, medos, fantasias e sonhos ignorados, derrubados, massacrados pelo cruel e infalível destino. Em menos de uma semana, tudo que ele era desapareceu, sucumbiu. Não teve como ajudar ele com os trabalhos de escola no fim de semana seguinte. Nem no seguinte. Nem no seguinte. Nem no seguinte...

É difícil entender que a consciência de alguém simplesmente possa deixar de existir. Mas é assim que as coisas são, acontecerá com todos nós e tingirá com sangue escarlate e com a negra escuridão a vida daquelas que ficam pra trás imaginando o quão banal a vida é.

A tragédia é sempre antecedida pela rotina, é sempre algo banal. A morte não bate na sua porta, não pede licença ao entrar. Me culpei por muito tempo. Por quê não deixei que fosse pra casa? Minha mãe é técnica em enfermagem, talvez percebesse que tinha algo de errado. Talvez não fosse tarde demais. E se tivesse sido diferente?

Era quinta-feira como hoje, em 11 de Outubro de 2007. Um dia que não me permito esquecer. Na véspera do dia das crianças, há cinco anos atrás, eu começava a deixar de ser uma.

E você? Já disse que ama alguém importante hoje?