quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A Insônia, os Refrões, o Legado e A Catarse.

Constantemente perco o sono graças a palavras presas que imploram para sair. Elas machucam o estômago e o Pulmão, rasgam minha garganta como se fossem navalhas escalando até minha boca. Então a fecho, mordo a língua e deixo as palavras lá, quietas, sozinhas.

Elas sobem até a minha cabeça e me assombram durante a noite. Elas consomem toda minha energia, aceleram meus pensamentos, meus batimentos cardíacos. O tempo para e passo dez ou quinze dias na cama refletindo sobre aquilo - muito embora, no relógio, tenham se passado apenas quarenta minutos.

Levanto. Faço um chá. Fico puto com a bagunça da casa. Fico puto comigo por ter preguiça de arrumar. Volto, sento e resolvo escrever. Pois há alguns anos percebi que tudo aquilo que eu não posso ou não consigo dizer e me atormenta não necessariamente precisa sair pela minha boca, mas sim pelo meu talento de juntar vocábulos incongruentes em orações disconexas.

Pseudo-Literatura.
Pseudo-Poesia.
Ninguém pode me odiar mais do que eu mesmo. E eu sou o único idiota o bastante para ver graça nisso.

Eu escrevo. Sempre começo sem saber sobre o que exatamente. Começo por começar, pois sinto que devo. É o único jeito que sei. Não consigo pensar em escrever sobre um tema, sentar na frente do Computador e fazê-lo. Não, não é assim que funciona comigo. Vou disparando o arsenal do meu vocabulário numa sinfonia caótica até que algumas notas se encaixem e se tornem meu refrão. E nem sempre é um tema definido.

Ás vezes, escrevo sobre tudo, ás vezes sobre nada. Hoje, quero escrever sobre tudo.

Vou escrever sobre como corri na primeira chuva do ano tentando me alcançar entender o que eu não conseguia entender. Vou escrever sobre não me importar com o que deveria. Vou dizer sobre o dinheiro que gastei e nunca deveria tê-lo feito. Vou escrever sobre o futuro que ainda não planejei. Vou escrever sobre os meus irmãos de sangue ou não. Vou escrever sobre Monet, minhas Linhas Amarelas, meus livros favoritos que nunca li, sobre a música que toca no final daquele filme ou como a luz da janela do prédio da frente parece a última luz acesa em toda a cidade.

Eu me lembro exatamente quando foi que me apaixonei. Foi ao ver ela descer a rua e ficar, observando, de longe. A passada dela sincronizada com as batidas do meu coração - que eu não lembrava que ainda batia. E quanto mais distante ela ficava, maior se tornava aquela angústia. Eu quis correr atrás dela com todas as minhas forças. Pra chegar mais rápido, pra chegar mais longe. Correr até que minhas pernas se quebrassem e meus músculos se desfizessem. Até que não tivesse mais força alguma para respirar. Somente pouparia o ar mínimo necessário para dizer o que eu precisava dizer.

Eu me lembro de pagar - embora contrariado - quatro reais e cinquenta centavos numa lata de Coca-Cola no terminal e pensar que eu odiava Aeroportos por serem os lugares mais vazios do planeta. Ninguém está lá de verdade. Embora seus corpos façam sua presença ser notada na fila do Chek-In olhando o relógio de pulso ou sentado no Café lendo a Folha de São Paulo, quem está no aeroporto está sempre pensando no seu destino. Seja sua casa, seja a Pousada onde vai passar as férias. Ou ainda o Casamento do primo de terceiro grau de quem não lembra o nome do meio. A assinatura de um contrato com um cliente do Rio ou o Carnaval em Salvador. Não importa. Passei tanto tempo em Aeroportos que só de pisar em terra firme já me sinto mais em casa.

Também lembro de ajoelhar na frente da TV numa noite de quarta feira e implorar para um Deus que eu não acredito para que uma bola acabasse no fundo de uma rede branca de barbante. E como as pessoas não conseguiam entender isso e como ririam se eu dissesse que não é para se entender. Não, não é só um jogo idiota. É O Jogo Idiota. Não muda nada na minha vida. Não vou passar na faculdade se aquela bola entrar. Não vou ganhar um aumento. Não vou conhecer a mulher dos meus sonhos. E se ela não entrar, não vou morrer atropelado por uma sucessão infinita de Fuscas Azuis e ainda levar um tapa por cada um. É só um jogo idiota, mas entre o momento em que começa e o momento em que termina, é a coisa mais importante desse universo. Durante noventa minutos aquele jogo idiota significa mais para mim do que qualquer livro clichê idiota que você leu por obrigação pois está no currículo de quem é culto. Pré-requisito pra julgar quem não gosta das mesmas coisas que você.  Beijei meu coração de cinco pontas e fiz uma breve prece.

E lembro de ver romance nas ruas sujas de São Paulo, a metrópole mais solitária do mundo e não importa a taxa de suicídios anual de Tóquio. Tem uma poesia esperando para ser encontrada em cada largo, em cada plataforma de estação, em cada pontilhão, em cada Grafitti no muro. Em cada morador de rua, em cada degrau da escada, em cada franquia de Fast Food dos shoppings, em cada ônibus lotado, em cada campo de terra batida da periferia, em cada boteco com uma máquina de caça níquel escondida atrás de uma pilha de engradados de cerveja. E a garoa vai sempre entristecer e, ao mesmo tempo, me enriquecer com aquele arranjo do samba no violão e no cavaco. Ou quando alguém tremular uma bandeira do seu time numa janela de um sobrado mal acabado debaixo de fogos num dia de final de campeonato.

E lembro de um discurso feito de olhar do meu melhor amigo sobre como poderíamos contar todas aquelas coisas para nossos filhos como minha mãe me contava - eu podia ver meus olhos vidrados e atentos como se a sua eloquência refletisse meu entusiasmo. "Quais histórias teremos pra contar?" Talvez sobre como ele nunca contou pra ninguém sobre aquela vez que mijei nas calças já depois de crescido. Ou quando percebis que aquela avenida era pelo menos 200 metros mais comprida suando com ele apoiado no meu ombro com o pé fodido. Sobre como ele não quis entrar dentro do velório e se debruçar sobre o caixão ou como eu deixei tudo isso pra trás achando que nada disso me perseguiria. Sobre quando viajamos juntos, sobre como aprendemos a tocar juntos, sobre como nos apaixonamos - e nos decepcionamos - juntos. Sobre como tudo isso terminou com nós dois tendo o maior porre de nossas vidas e acordando vomitados largados na sala doze horas depois. Ele sabe que meu sonho mais ambicioso é ser transcedental e construir um legado que posso passar para alguém. Algo que até mesmo terceiros contem. Quero que nossos nomes sejam ouvidos saindo da boca de pessoas que nem nos conheceram. Porque, meu amigo, eu sei que não viemos a esse mundo para sermos figurantes.

E no final, esse é meu legado: escrever sobre tudo enquanto escrevo sobre nada. Um texto gigante e repleto de vazio como a estrutura molecular de tudo aquilo que existe. Somos poeira estelar, mas também somos repletos do vazio. E ninguém percebe o quão bonito é isso.

Gabriel García Marquez venceu o Nobel da Literatura e não fez questão de buscar o prêmio - foi o que um professor de história me disse quando me viu lendo "Cem Anos de Solidão" durante a aula dele, aquele livro que se desfez na minha mão antes que pudesse terminar de ler. Eu nunca terminei de ler e, mesmo assim, é meu livro favorito.

Porque soube, através dele, que Marquez alcançou meu objetivo maior de vida: chegar a Catarse final, ao objetivo absoluto para perceber e poder dizer que nunca precisou daquela merda.

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