segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Poliglota

Ele jamais pensou que fosse realmente inteligente. Nem esperto ao menos. Era do tipo que procurava suas chaves pela casa inteira para descobrir que estavam no seu bolso o tempo todo. Suas palavras vistosas e cheias de significado poderiam iludir muitos, menos ele mesmo. Se sentia tão comum que até seu pseudônimo apontava a verdade sobre sí: Médio.

A única coisa da qual Médio realmente se orgulhava sobre sí mesmo era a capacidade de entender e falar diversos idiomas. Além do português, o inglês, o francês, a língua dos toques, dos olhares, das palavras escondidas por trás das outras palavras. Médio te conhecia antes de ouvir a primeira palavra sair da sua boca.

Era uma habilidade rara e que ajudou a definir seu caráter.

Como quando sentiu o peso de todos os sermões apenas no olhar de desaprovação de seu irmão. Ou ainda quando sentiu o sereno desespero na voz de sua mãe camuflado por uma frase corriqueira, aquele protocolar "estou com saudades". Foi assim que leu a declaração de amor mais sincera de sua vida sem uma palavra, sem uma vírgula ou ponto final. Só bastou olhar no fundo dos olhos dela no momento em que acordaram e ele pode ver sua alma aberta. E ainda ficou hipnotizado pelo carisma do apelo de criança que só quer se divertir enquanto assistia sua dança em frente ao espelho.

E agora, ele entende, de novo, muito mais do que se diz.
E compreende que não há mais espaço para discursos não ditos.

Médio escreveu uma carta por trás dessa carta para dizer que está onde sempre esteve e que não vai sair tão cedo. Mas basta um olhar em falso para sair. No final, ás vezes só um "oi" é cheio de malícia. Só um "bom dia" vem pleno de segundas intenções.

E leu através das linhas. Tem mais carência do que saudade no tom da sua voz. E sua casa não está plena de alegria, não atravesse a rua para usurpar da minha.

Um comentário: