terça-feira, 8 de outubro de 2013

O Monstro; O Armário.

Havia um monstro dentro do Armário.

Pelo menos é o que jurava o garoto. E quase todas as noites, o pai entrava no quarto, acendia as luzes, abria o armário e mostrava para o filho que não havia nada além das roupas, caixas e cobertores. E o garoto se tranquilizava, mas sabia que o monstro estava lá. Mesmo com a porta escancarada, ele sabia que havia um monstro e que ele estava à espreita todas as noites.

Era um garoto comum. Tinha onze, doze anos, mas parecia mais novo. De manhã cedo ia à escola, à tarde tinha um ou outro afazer, jogava bola com os outros garotos de onze ou doze anos. Jogava videogame com os outros garotos de onze ou doze anos. Ficava até tarde vendo putaria sem que a mãe dele soubesse como qualquer garoto de onze ou doze anos.

A única razão para vê-lo como um garoto diferente dos demais era o medo irracional que o garoto tinha do armário - e do monstro que supostamente vivia lá.

Somente uma coisa metia mais medo no garoto do que o armário: os seus próprios pais.

Vez ou outra, ele ouvia conversas mais ríspidas. Logo, se transformavam em ofensas, logo em gritos. Em pouco tempo ele ouvia objetos sendo arremessados e quebrados pela casa. Ele não reconhecia mais os próprios pais. Nesse momento, o temido Armário virava refúgio e o temido monstro, um amigo.

Trancado dentro do armário, o garoto esperava a tormenta passar. Mas ali via somente sua raiva aumentar. Aos poucos, sentia mais medo do mundo de fora do que do monstro que havia dentro do armário.
E fez isso desde que era apenas um garotinho no pré-escolar até pouco antes de entrar no Ensino Médio. Um pouco antes das garotas, dos amigos novos, das primeiras impressões de como era rude a vida em sociedade. Um pouco antes de perceber que os seus pais é que alimentavam aquele monstro.

Raiva, medo, angústia, tristeza. O garoto se trancava no armário e nunca mais queria sair de lá. A não ser que fosse para mudar tudo. Rasgar no meio aquele mundo de fora que ele conhecia. Mundo que o amedrontava mais do que o próprio monstro que o atormentou por toda infância. Só sairia daquele armário se fosse para destruir tudo aquilo que lhe torturava.

Então saiu. Nunca mais voltou.

Viram seu rosto nos noticiários, souberam dos planos, souberam de tudo. A tragédia em rede nacional rendeu lágrimas aos espectadores pelas almas perdidas dos jovens, rendeu a indignação com a frieza do executor e os aplausos mórbidos quando chegou a notícia de que ele mesmo acabou com a própria vida.

Seus pais pararam de brigar, nunca mais tiveram energia para isso. Sua consciência os torturou para sempre. O peso da vida de seu próprio filho era demais para carregar. O peso das vidas que levou consigo era ainda mais insuportável.

Sete dias depois, a porta da escola virou um santuário com velas e cartas com aquelas palavras que nunca puderam ser ditas em vida. O silêncio tomou conta do pátio e ninguém entendia o porque.

Havia mesmo um monstro dentro do Armário.

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