domingo, 11 de janeiro de 2015

Horizontes de Carvão

O ano acabou e eu sobrevivi. Como disse que faria, como muitas vezes duvidei.

Acordei há pouco mais de um mês. Saí do fundo da minha cabine escura para tomar o convés depois de anos à deriva em mares turbulentos. Eu perdi meu equilíbrio com o balanço do navio e temo um dia trançar pernas feito um bêbado em fim de novo quando finalmente aportar em qualquer lugar.

Quando olhei ao meu redor, nada vi senão a água gélida e agitada e paredões de nuvens negras no horizonte como pilhas de carvão sem nenhum fósforo para acender. Tomei o leme e vesti uma cota de malha para encerrar minha cota de erros. Não porque temo meus inimigos, mas para afundar de uma só vez se uma hora eu cair no mar.

Embora em tempos turbulentos, não deixei de pensar que não pude ver o sol há um bom tempo, mesmo nos dias com céu aberto e águas calmas. Á deriva, me reneguei ao fundo da cabine fitando goteiras do convés agarrado a uma garrafa de rum barato. Escrevendo todos os meus arrependimentos em pergaminhos ensopados até que não houvesse mais tinta. Esperava ser encontrado, morto de sede, de fome. Ou ter coragem o bastante para um dia me atirar no mar e me entregar à imensidão cinza azulada. Esperava que alguém me salvasse de mim mesmo, à deriva, incapaz de ver o sol mesmo que ele estivesse do outro lado da portinhola.

Mas eu resolvi sair, subir ao convés e encontrar terra firme. Mais distante do que nunca, mais perdido do que nunca. Sem nada para comer, beber ou fumar. Talvez seja tarde demais, talvez eu não encontre terra firme ainda vivo. E talvez ninguém me encontre. Então resolvo assumir toda a culpa: eu me trouxe até aqui, tive meus motivos para querer me ver afundar. Me coloquei dentro de uma armadilha e somente eu posso me salvar.

E no primeiro passo, já vi o que enfrentaria: antes de sair do convés, um degrau de carvalho cedeu com a ação do tempo e se quebrou debaixo dos meus pés, mas me equilibrei para não cair. Quando finalmente desisti da ideia de morrer, alguém me oferece um perigo real: um degrau sorrateiro na minha subida.

No convés, fitei o mar e o céu cinza ao meu redor. Nunca naveguei águas tão escuras e tão frias, nunca estive tão perdido. Mas nunca senti tanta determinação em me encontrar. Rezei tanto por uma tempestade que ela de fato chegou. E justo no momento em que tive vontade de viver.

Um navio velho sem tripulação, nenhum mapa, água ou comida. Há centenas de léguas de lugar algum, mas eu ainda acredito. Ainda penso em desbravar as águas turbulentas e cinzas para Norte e Oeste. E ver até onde esses horizontes de carvão podem me levar. Eles são tudo o que eu tenho agora: a linha da curvatura da Terra, água, sal, chuva e nuvens escuras.

Me falta navegar para qualquer lugar. Casa, eu acredito. Onde quer que ela esteja.

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