quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ontem à Noite

Sentei-me na porta da tua casa já de madrugada. Acendi um cigarro e esperei.

Eu quase poderia tocar o tenso silêncio da noite. Vi corujas atravessarem em vôos rasantes a praça. Vi um carro ou outro descer a rua deserta, viaturas da polícia, um som alto tocando numa festa ao longe, o pesado ar de uma noite de (quase) verão. Mesmo assim, senti frio. Um frio que cortava os olhos e rasgava os lábios. Um frio tão agudo que acreditei que poderia perder uma orelha e alguns dedos se continuasse ali por muito tempo. Quis fazer uma fogueira no cenário imutável enquanto a cidade dormia profundamente.

Então eu vi.

Vi o sol nascer e se por várias vezes, o tempo passar. Vi manhãs de Janeiro chegando e o sol forte das primeiras horas do dia tingir de dourado as árvores, as casas, as ruas. Eu te vi acordar e sair cedo. Sozinha.
Você saiu e não me notou na porta da sua casa. Seguiu com passos firmes e determinados e subiu a rua como quem não pode ser detido por nada nesse mundo.

E vi além disso. Vi alguém que poderia entregar tudo aquilo que eu não posso, tudo aquilo que eu não pude. Mais belo que eu, mais forte que eu. Alguém que provavelmente dirige o seu próprio carro e já estaria formando-se então. Alguém que tenha mais dinheiro que eu ou que pelo menos sabe administrá-lo melhor. Alguém que saiba se portar num restaurante esnobe e que não faça as piadas estúpidas que eu insisto em fazer. Vi alguém que não tomava seu tempo e sua vitalidade com as próprias disputas pessoais, mas sim alguém que ajudava você com tudo aquilo que podia. Alguém que não lhe fosse um fardo pesado demais.

Voltei pra madrugada na porta da sua casa quando ouvi o portão se abrir. Não, eu não entrei na sua casa, não apertei a campainha. Senti que não devia como alguém impuro que prefere não macular um templo sagrado com a própria labuta.

Passei a viagem pensando nisso. Passei os últimos 17 dias pensando nisso. Passei o último ano pensando nisso.

Finalmente cheguei em casa pela manhã, mas não consegui sentir-me melhor.

Pois eu vi sua vida sem mim. E era incrível.

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