quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Hoje

Hoje, pela primeira vez desde que cheguei, não choveu. E toda água que já caiu serviu para lavar toda a labuta que que fez de mim morada, como a poeira sobre um pedaço de arte esquecido no átrio de um antigo palacete.
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Hoje, pela primeira vez, dormi sem ter pesadelos. Não me afoguei em águas escuras, não me atirei de grande altura, não senti a força do punho da auto-consciência esmagar meus pensamentos e desfigurar minha personalidade.

Hoje, pela primeira vez, senti fome. E quis um banquete para celebrar tudo pelo o que eu passei. Para o meu deleite, Eu ainda seria eu mesmo sem tantos talhos sobre a carne e tantas trincas nos meus ossos, mas seria ainda mais tedioso.

Hoje, pela primeira vez, quis voltar. E enfrentar os demônios que me afastaram. Não quis esquecer nada, não quis fugir. Cansei de correr de tudo.

Hoje, pela primeira vez em muito tempo, quis viver. Quis sair dessa caverna, deixar o sol tocar meu rosto, colocar os cabelos ao vento, tomar um banho e me sentir purificado.

Pois é bem verdade que me disseram que todos já desistiram. Mas eu ainda estou aqui. E sei que, cedo ou tarde, algum caminho eu vou encontrar - ou será que ele vai me achar primeiro? E quando isso acontecer, eu vou ter muito o que celebrar - bem modestamente.

Mas não, eu não venci. Existem guerras impossíveis de vencer, essa é uma delas. Mas continuar lutando é vital, é o único recurso que temos. E eu me recuso a simplesmente afundar.

Por hoje, não quero ser salvo. Quero que estejam lá quando eu me salvar.

Por hoje, vou nadar a braçadas até a costa. Não quero boias nem botes salva vidas. Não quero uma corda para escalar nem uma saída de emergência. Só quero encontrar os meus na praia orgulhosos de mim. Só quero provar pra mim mesmo que sou mais forte que as ondas que se quebram. E sim, vou engolir um pouco d'água, mas por hoje, não vou parar enquanto não chegar aonde quero.

Hoje, não vou deixar pra lá, não vou deixar para depois. Hoje, vou me deixar viver.

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