terça-feira, 24 de junho de 2014

Assim disse o Rei ao rio

Em meados de Outubro, o Rei covarde se trancou em seu castelo. Junto com o que sobrou de seus homens, esperou o inimigo que em pouco tempo tomaria a cidade, seu palácio e sua vida. O Rei havia prometido a mão de sua única filha a um Lorde de uma terra distante muitos anos antes. A Princesa e o Nobre em questão compartilhavam do amor mais puro já visto, e ambos tiveram seus corações dilacerados ao saber que o Rei tinha voltado atrás com sua palavra ao prometer a jovem a outro homem como pagamento de uma dívida. A donzela esteve de luto desde então, já o jovem rapaz, enfurecido, juntou forças com outros nobres descontentes e declarou guerra ao rei que amaldiçoou os traidores e garantiu que o prepotente rapaz acabaria afogado no fundo do rio que cortava Konigsberg.

No começo de Novembro, após negociações sem sucesso, dezenas de milhares de soldados cercaram a cidade e por dias a Guarda Real conseguiu impedir que os invasores passassem da muralha e tomassem a cidade. Porém os súditos do rei estavam em minoria, os recursos estavam a se esgotar, o moral de todos andava baixo. O conselho decidiu que a rendição seria a melhor saída. Queriam evitar mais mortes e sabiam que não poderiam vencer. O Rei se recusou e ensandecido, tramou um plano traiçoeiro para vencer a batalha. Durante à noite, enviou homens  para o norte para que destruíssem as barragens do rio. Assim o fizeram e toda a água represada nas montanhas desceu e inundou a cidade e destruiu todas as sete pontes de Konigsberg devastando um terço da cidade e matando milhares de inimigos. Mas a mesma água que descia da montanha afogou seu próprio povo e suas próprias tropas.

Quando Dezembro começou, os inimigos não tinham perspectiva de invadir a cidade. Com enormes baixas causadas pela inundação, sabiam que seria impossível chegar ao castelo com a cidade debaixo d'água. A recuada era inevitável. O conselho não aprovou os desmandos de sua Majestade, mas todos se calaram temendo serem presos por traição e condenados à morte. Porém aquele inverno se mostrou implacável e antes do fim da primeira quinzena daquele Dezembro, toda a água que cobria Konigsberg transformou-se em gelo, muitos morreram de fome e frio naqueles dias. Os invasores aproveitaram a condição do clima e no décimo nono dia do mês, ultrapassaram a muralha e tomaram a cidade. Os últimos soldados do Rei foram obrigados a se render, muitos morreram lutando pelo monarca covarde que se escondia no castelo. Os conselheiros abandonaram o rei e no natal, os inimigos já haviam tomado o castelo e o monarca foi condenado à morte.

No primeiro dia de Janeiro, a guerra estava vencida e todos os nobres do reino reclamavam o trono, exceto o nobre que declarou guerra ao rei. Tudo o que ele queria era casar-se com a jovem que a ele fora prometida. Mas para sua desagradável surpresa, a princesa o recusou. Ela vira seu povo morrer e seu pai ser condenado. Viu a cidade que tanto amava ser tragada pelas águas e tomada pela neve. Pilhas de cadáveres se amontavam pelas ruas de Konigsberg, tudo graças ao seu amor pelo lorde. "Se o amor é uma ponte, nós a construímos da maneira errada" disse ao seu amante.

Desolado, o jovem nobre abandonou o Castelo e estava a deixar a cidade com seus homens no mesmo momento em que o Rei era levado a guilhotina. Porém o gelo começava a derreter e o Lorde foi tragado pelo rio antes de sair da cidade. Morreu afogado com seus homens no mesmo dia em que a cabeça do rei rolou para deleite dos outros lordes que agora disputavam o trono. Á sua amada, só restou viver a vida que ainda tinha, de luto por um amor que custou a destruição de todo o reino.

Quando a primavera chegou, a princesa morreu atingida por uma misteriosa enfermidade. Só então perceberam que o preço do amor é a vida que se deixa por ele. Muitos anos depois, quando reconstruíram Konigsberg, um monumento em homenagem aos amantes foi edificado no centro da cidade, entre as sete pontes agora reconstruídas. E somente naquela enorme estátua de pedra fria que serviu de sepulcro para os amantes é que eles finalmente puderam estar juntos no descanso dos justos para lembrar que o amor entre duas pessoas pode tanto criar maravilhosas fábulas que são sempre contadas nas noites de verão como também ser centro dos piores horrores noturnos nos invernos mais frios.

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