sexta-feira, 20 de junho de 2014

2007

Quarta Feira.

Cheguei atrasado e perdi a primeira aula. Fiquei meia hora sentado no pátio olhando pro nada, perdido dentro da minha própria cabeça. Pensando sobre tudo, sobre nada. Pensei na minha mãe chorando em frente a pia da cozinha numa casa morta que já não era minha. Assim como ela, eu não sabia porque ele tinha ido embora, até hoje não sei. Assim como não soube o que fazer diante do seu pranto. Pensei em abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem. Pensei em chorar e me desesperar também. Pensei que ser forte era não gritar de dor mesmo que furassem meus olhos. Então apenas assisti ela chorando. Estoico. Covarde.

Despertei com o soar do alarme. O sinal do fim da primeira aula, o começo da segunda. Coloquei a mochila nas costas e subi dois lances de escada até a minha sala. Vi todos me olharem com o mesmo desprezo de sempre. Parei na porta, hesitei, mas por fim, entrei. Ela não levantou a cabeça pra me ver entrar, passei sem nem fingir que não estava olhando pra ela. Tropecei sobre os meus próprios pés, mas equilibrei-me e logo sentei-me no fundo. Há tempos já não mais sentava perto dela. Há tempos já não mais conversávamos. Sentia me envergonhado, não sei bem do quê, mas acredito que fosse apenas de mim mesmo. Porque saber que todo mundo a queria, me fazia querer fracassar. Me fazia querer ignorá-la. Me fazia querê-la ainda mais.

A escola sempre me pareceu um campo de concentração. Andava sempre cabisbaixo, sem olhar ninguém nos olhos com medo do que eles poderiam ver ao olhar nos meus. Eu tinha quinze anos, mas aparentava ter doze. Todos pareciam adolescentes amadurecendo e prontos para a guerra no mundo lá fora. Eu era apenas um menino medroso. A sala me parecia uma prisão onde as paredes iriam me esmagar a qualquer momento. Me flagrei olhando pela janela, tentando fugir dali pelo menos em meus pensamentos, o que eu quase sempre conseguia fazer, mas agora eu tinha um "irmão" e um "pai" pra me preocupar.

No intervalo, eu estava escondido na biblioteca, lendo qualquer livro do Stephen King que eu pensei em roubar em algum momento, mas nunca o fiz. Sozinho como nunca, cercado de gente como sempre.Olhei pela janela o sol forte iluminando o pátio, casais de mãos dadas sentados nos bancos, alunos rindo nas rodas de amigos, garotas aos cochichos indo e voltando. Todo mundo parecia estar exatamente onde deveria. Por quê eu sempre senti que não fazia parte daquilo? Eu só queria poder fugir dali pra um exílio qualquer a beira do mar. Passar o resto da vida assistindo as ondas se quebrarem contra as pedras, ver o mar tomar a costa e o Oceano me engolir. Antes eu pelo menos tinha ele.

Na quarta aula inventei um motivo pra sair da sala. Meu cérebro parecia que iria fritar. Eu parecia pressentir o que estava prestes a acontecer. Deveria haver um nome para a antecipação que precede a catástrofe. A brisa macabra que sopra uma curva antes da colisão. O som da última prece antes da decolagem. O toque do último beijo do marido que não voltará mais para casa. A goteira no teto da sala que cessa para ouvir as más notícias de um homem com o chapéu nas mãos encostado contra o ventre.

Eu poderia reconhecer o ar daquela manhã mesmo no mais rarefeito dos montes.

Duas garotas chamavam no banco da frente. Não me esquecerei o silêncio absoluto de minha mente quando soube que não o veria mais. Eu nem imaginava o que tinha pela frente. Eu tinha apenas quinze.

Aqueles foram os dias mais difíceis da minha vida e não se comparam a nada pelo qual eu tenha passado ou esteja passando. Os anos se passaram, mas ainda pareço mais novo, ainda não me sinto como um adulto, ainda não me encaixo em lugar nenhum. Ainda sou o mesmo garoto medroso e frustrado que acredita que não chorar é sinônimo de força. Até hoje acredito que ela riria se soubesse como eu me sentia. E torno a andar cabisbaixo por corredores fuzilado por olhares de quem sabe que nunca vou me adequar. Ainda me escondo atrás de livros para que não me encontrem. Ainda me perco em minha mente olhando pra lugar nenhum, tentando fugir de mim mesmo.

Ainda sinto aquele ar pesado todas as noites antes de dormir.
E me deparo com a catástrofe na manhã seguinte: acordar.

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