quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O primeiro Natal do resto da sua vida

Clarice acordou do sono como quem acorda de um coma.

Talvez de 20 dias, talvez de 20 anos.

Acordou na manhã da véspera de Natal com o primeiro choque de realidade desde que tudo começou a desabar - não havia árvore, nem presentes, nem ceia, nada planejado. Sua mãe hipnotizada pela TV, ainda sob efeito de toda aquela merda que o psiquiatra a fez tomar. Ela parecia um zumbi, não estava mais lá. Ana Rita era uma mulher de Fibra, mas aquele Dezembro a fez desabar por dentro matando um terço de sua alma.

Seu pai fumando um cigarro atrás do outro na varanda, como há muito não fazia. Depois do derrame, Ricardo foi obrigado a parar de fumar. O Doutor foi preciso com as palavras: "coloque um cigarro na boca mais uma vez e eu venho assinar seu atestado de óbito".

Isso foi em Agosto de 2001.

 Em 24 de Dezembro de 2009, lá estava o senhor Ricardo Maldini gritando para o mundo que havia desistido, fumando o primeiro maço em oito anos, observando o vazio do quintal da varanda da sala como se os dois garotos jogassem bola no gramado, mas eles não estavam mais lá. E Ricardo morreria quatro anos depois após um Acidente Vascular Cerebral.

Então com 15 anos, era difícil carregar o fardo de toda a família nas costas. Foram-se quase duas semanas desde quando perdeu os dois irmãos, desde que sua mãe deprimiu-se e seu pai enlouqueceu. Os quartos de ambos vazios de seus corpos, lotados de seus pertences estocados como se fossem fazê-los voltar. Mas Clarice sabia que não voltariam. Um estava morto. O outro exilado.


A sustentação do céu de Clarice devastou suas terras como nunca antes. Mas foi um processo libertador: agora ela ao menos sentia o quanto seus problemas eram pequenos. E assumiu a responsabilidade de ser a mulher da casa mesmo que ainda fosse uma menina.

E foi assim que começou a história de Clarice, a garota que não tinha medo algum.

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