quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um passo de cada vez, um pé na frente do outro

E desde que nasci, eu luto contra isso.

Mas de fato, só comecei a perceber sentado na escadaria da Catedral de São Sebastião, sentindo o vento soprar o ar quente de um fim de tarde de Outubro. Alguma coisa acordou dentro da minha cabeça. Antes de vê-lo num caixão com lábios e olhos colados de maneira torpe, pálido como a neve que eu nunca vi de perto. Foi sentado na frente de uma Igreja que eu finalmente percebi o fardo que Deus quis que eu carregasse nas costas por toda minha vida. O motivo de eu nunca ter me dado bem com garotas, de eu nunca ter me adequado a lugar algum, o fato de eu sempre me sentir como se estivesse ficando para trás. O motivo de eu ter medo de escolas e um receio enorme em conduzir a direção de qualquer veículo.

E eu percebi que há muito aquilo já me atormentava. Quando foi que meu subconsciente sorrateiramente passou a apagar as imagens das brigas do meus pais? Eu não consigo me lembrar mais, mas sei de tudo que aconteceu. Eu tentei ignorar isso por anos, eu realmente fingi por quase uma década que não havia nada de errado comigo. E agora, finalmente, resolvi encarar de frente. E tenho lutado, todos os dias da minha vida. Não porque acredito na vitória, mas porque não vou ser derrotado sem me agarrar com unhas e dentes em tudo o que eu puder. Eu não vou parar de correr antes de sentir cada músculo do meu corpo se rompendo, cada osso se quebrando. Só desistirei quando não houver mais força para levantar a porra dos braços e desferir socos em qualquer direção, desesperado e sem objetivo. E eu não sei nem em quem bater, não há um inimigo que eu possa ver, sentir ou tocar. Eu apenas sei que ele existe.

E eu tenho lutado.

Pode parecer que não porque acredito que ninguém saiba como é sentir-se como a única pessoa no mundo. Estéril, invisível. Gritar até arrebentar todas as cordas vocais num lapso de angústia e desespero para perceber que ninguém ouviu. Se você não vê as coisas que eu vejo e como eu vejo, é impossível que você compreenda, e eu entendo isso.

Eu luto com isso todos os dias quando acordo pela manhã sem vontade alguma de viver, sem querer levantar da cama. Meu refúgio e minha prisão. Se eu pudesse materializar o esforço que faço entre o momento em que abro os olhos e finalmente fico em pé pronto para começar o dia, eu poderia mover montanhas sem a menor dificuldade.

Eu luto com isso toda a vez que eu me olho no espelho me vestindo antes de ir para o trabalho como um esnobe, como se eu fosse um deles. Porque eu sei que é mentira. E eu luto contra a sensação de nojo e desprezo que sinto pelo que me tornei. E eu sempre luto contra o relógio pois não consigo cumprir qualquer horário, não consigo organizar qualquer coisa ou redigir qualquer texto sem fazer uma confusão enorme porque minha cabeça está sempre latejando com os mais primitivos e intensos impulsos. Eu luto porque sou eu quem quero me derrotar todos os dias.

Eu luto toda vez que chego ao trabalho e tento - quase sempre em vão - me comportar normalmente, me adequar a tudo, fazer com que as pessoas não notem o quão fodido eu estou. Acreditando de verdade que eu sou parte disso, eu luto contra a parte de mim que sabe que eu nunca serei.

E todas as vezes em que eu me nego a incomodar qualquer um dos meus amigos com isso, eu estou me esforçando muito. E todas as vezes que eu brinco e finjo que estou bem e tento animar as pessoas, e tento ser o melhor que eu posso. E eu juro por tudo que é mais sagrado que eu estou me dilacerando por dentro para poder ser apenas um pouco importante para todo mundo. E, principalmente, eu luto com todas as minhas forças quando ouço alguém dizer:

"Você não está nem ao menos tentando. Nem está se esforçando de verdade. Você não quer mudar."

O mais difícil é lidar com as pessoas que me tratam como se eu fosse um aleijado que não levanta e anda por pura falta de vontade. E sim, eu literalmente cortei meus braços e pernas algumas vezes e carrego cicatrizes comigo por onde eu vou. Eu precisava lembrar a mim mesmo que eu estava no controle.

Foda-se. Poucas palavras dizem tanto com tão poucas letras.

Eu luto desde que passei a tentar perdoar meu pai e esquecer tudo aquilo que ele já fez. E conviver com ele e tentar ser um bom filho. E também luto quanto tento fazer com que a minha mãe acredite que eu estou bem, luto quando minto para mim mesmo dizendo que eu não voltaria correndo para a casa dela agora se eu pudesse.

E mentiria se dissesse que me sinto importante para eles. Eu não sou o bastante para ninguém.

Martelo meu cérebro todas as noites para triturar todas as vozes que gritam incessantemente e me impedem de dormir. E mutilo sem hesitação minha própria pele e minha própria carne para jamais ceder ao impulso de pedir ajuda a qualquer um.

Eu luto toda vez que me recuso a me atirar do décimo primeiro andar.
Eu luto todos os dias em que eu continuo respirando. Porque parte de mim já não quer mais viver há anos.

E todas as vezes em que juro que amanhã vai ser um dia melhor. E todas as vezes em que penso que estarei bem em algumas semanas. E em todas as vezes que eu prometi que o ano que vem seria um bom ano.
E alguns dias tem sido melhores, algumas semanas eu tenho estado bem. E esse ano não tem sido ruim.
No final, eu estou mesmo lutando. Os resultados não são os melhores, mas são tudo o que eu tenho agora.

Um passo de cada vez, um pé na frente do outro. Eventualmente, eu vou chegar em algum lugar, qualquer lugar melhor do que aqui e agora. Eu só preciso do tempo e do espaço. E menos gente dizendo o que eu devo fazer. E mais gente entendendo que eu estou sim fazendo alguma coisa.

Preciso de menos "vai se tratar" cuspido com desdém de quem quer empurrar a responsabilidade para qualquer um e mais "li seu texto" seguido de silêncio que diz muito mais do que palavras.

Então me deixem respirar, pois até isso tem sido uma batalha à parte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário