sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Não quero acordar.

Esse sonho começou em um aeroporto.

Na verdade, mesmo antes de desembarcar no saguão, mesmo antes de entrar na aeronave, mesmo antes de comprar as passagens com o dinheiro que não tinha já existia a ideia pré-concebida. Um rascunho, caricatura utópica do que poderia ser grandioso um dia. Noites sem dormir, álcool e cicatrizes causadas por mim mesmo no quarto escuro amando alguém que nem sequer estava lá. Era impossível se contentar com isso.

Quando eu desembarquei no saguão, notei que estava no meio de mais uma metrópole caótica fazendo o que faz de melhor nas manhãs de quarta-feira: enlouquecer as pessoas. Recorri ao banheiro, santuário dos desesperados. Se a pia de mármore era meu altar, eu perguntava a um deus qualquer no reflexo do espelho:

- "O que diabos vim fazer aqui?"

Sozinho no aeroporto de uma grande cidade que não conhecia, a metáfora ideal para descrever a alma desencarnada de um pobre rapaz que ainda não sabe que morreu. Mas eu estava mais vivo do que nunca. Sabia bem quem havia feito o maior covarde de todos os tempos ter coragem de enfrentar seu medo de altura.

Ela me esperava  na frente do portão. Tudo fez sentido. Tudo valia a pena. Pela primeira vez nos últimos 1200 dias eu respirava de verdade.  O céu é mais azul do que nunca. A melhor professora de física de todas, me ensinou melhor que Einstein que o tempo é relativo: fizemos o tempo parar sentados no banco entre os anônimos buscando seus destinos, cada um da sua maneira. Eu acabava de encontrar o meu.

Uma semana no paraíso, mais 4 no purgatório. Resolvi que era hora de juntar minhas coisas e fugir pro céu. Ficou claro que o paraíso não era alcançado por mérito: se fosse, eu nunca chegaria lá.

Eu era a face do fracasso, pálido, introvertido e com raiva do mundo. Eu tinha tantas cicatrizes que ficava difícil de contar. Ela me entendeu, me amparou e me reinventou. Doces para reduzir o amargo da vida, lápis coloridos pra me fazer esquecer o mundo cinza, desenhos animados pra lembrar que ainda sou criança.

Dois meses depois eu fiz sua festa de aniversário secreta, só com nós dois. Ela diz que foi a melhor de todas. Eu lhe dei uma casa de presente. Seis meses depois inventamos o nosso lema, assinamos nosso pacto sem caneta ou jura de sangue. Tudo ou nada, dentro ou fora, aconteça o  que acontecer, ficamos juntos.

Deixei que ela me puxasse pelo braço correndo entre os lotes vazios. Foda-se tudo, deixa o céu cair sobre nossas cabeças que nós nem perceberemos. Me guiou pelo seu mundo que aprendi a chamar de meu. Todo dia podia ser o melhor dia de todos. Enfrentamos nossos medos, compartilhamos nossos sonhos e debatemos nossas ideias. Paramos no meio da rua pra nos beijarmos debaixo da chuva. Extrapolamos o volume da TV achando que éramos rockstars. Aprimoramos a técnica de melhorar as piadas um do outro e inventamos um jeito novo de conversar que só a gente entendia. Eu tinha a noção de tudo: aquele era o melhor momento da minha vida.

Não me lembro do resto do sonho, talvez  seja melhor assim. Era meio sombrio e turbulento. Mas lembro-me bem de um detalhe: terminava em um aeroporto.

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