Escrever, guardar, apagar.
Publicar, mudar de ideia e voltar atrás. Ninguém quer saber.
Tudo vai ficar bem, eu sei.
Uma hora dessas o ano acaba.
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
White Curtains
"Torn between being a child my whole life or the man you need."
Trophy Eyes - "White Curtains" (Mend, Move On - 2014)
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Um passo de cada vez, um pé na frente do outro
E desde que nasci, eu luto contra isso.
Mas de fato, só comecei a perceber sentado na escadaria da Catedral de São Sebastião, sentindo o vento soprar o ar quente de um fim de tarde de Outubro. Alguma coisa acordou dentro da minha cabeça. Antes de vê-lo num caixão com lábios e olhos colados de maneira torpe, pálido como a neve que eu nunca vi de perto. Foi sentado na frente de uma Igreja que eu finalmente percebi o fardo que Deus quis que eu carregasse nas costas por toda minha vida. O motivo de eu nunca ter me dado bem com garotas, de eu nunca ter me adequado a lugar algum, o fato de eu sempre me sentir como se estivesse ficando para trás. O motivo de eu ter medo de escolas e um receio enorme em conduzir a direção de qualquer veículo.
E eu percebi que há muito aquilo já me atormentava. Quando foi que meu subconsciente sorrateiramente passou a apagar as imagens das brigas do meus pais? Eu não consigo me lembrar mais, mas sei de tudo que aconteceu. Eu tentei ignorar isso por anos, eu realmente fingi por quase uma década que não havia nada de errado comigo. E agora, finalmente, resolvi encarar de frente. E tenho lutado, todos os dias da minha vida. Não porque acredito na vitória, mas porque não vou ser derrotado sem me agarrar com unhas e dentes em tudo o que eu puder. Eu não vou parar de correr antes de sentir cada músculo do meu corpo se rompendo, cada osso se quebrando. Só desistirei quando não houver mais força para levantar a porra dos braços e desferir socos em qualquer direção, desesperado e sem objetivo. E eu não sei nem em quem bater, não há um inimigo que eu possa ver, sentir ou tocar. Eu apenas sei que ele existe.
E eu tenho lutado.
Pode parecer que não porque acredito que ninguém saiba como é sentir-se como a única pessoa no mundo. Estéril, invisível. Gritar até arrebentar todas as cordas vocais num lapso de angústia e desespero para perceber que ninguém ouviu. Se você não vê as coisas que eu vejo e como eu vejo, é impossível que você compreenda, e eu entendo isso.
Eu luto com isso todos os dias quando acordo pela manhã sem vontade alguma de viver, sem querer levantar da cama. Meu refúgio e minha prisão. Se eu pudesse materializar o esforço que faço entre o momento em que abro os olhos e finalmente fico em pé pronto para começar o dia, eu poderia mover montanhas sem a menor dificuldade.
Eu luto com isso toda a vez que eu me olho no espelho me vestindo antes de ir para o trabalho como um esnobe, como se eu fosse um deles. Porque eu sei que é mentira. E eu luto contra a sensação de nojo e desprezo que sinto pelo que me tornei. E eu sempre luto contra o relógio pois não consigo cumprir qualquer horário, não consigo organizar qualquer coisa ou redigir qualquer texto sem fazer uma confusão enorme porque minha cabeça está sempre latejando com os mais primitivos e intensos impulsos. Eu luto porque sou eu quem quero me derrotar todos os dias.
Eu luto toda vez que chego ao trabalho e tento - quase sempre em vão - me comportar normalmente, me adequar a tudo, fazer com que as pessoas não notem o quão fodido eu estou. Acreditando de verdade que eu sou parte disso, eu luto contra a parte de mim que sabe que eu nunca serei.
E todas as vezes em que eu me nego a incomodar qualquer um dos meus amigos com isso, eu estou me esforçando muito. E todas as vezes que eu brinco e finjo que estou bem e tento animar as pessoas, e tento ser o melhor que eu posso. E eu juro por tudo que é mais sagrado que eu estou me dilacerando por dentro para poder ser apenas um pouco importante para todo mundo. E, principalmente, eu luto com todas as minhas forças quando ouço alguém dizer:
"Você não está nem ao menos tentando. Nem está se esforçando de verdade. Você não quer mudar."
O mais difícil é lidar com as pessoas que me tratam como se eu fosse um aleijado que não levanta e anda por pura falta de vontade. E sim, eu literalmente cortei meus braços e pernas algumas vezes e carrego cicatrizes comigo por onde eu vou. Eu precisava lembrar a mim mesmo que eu estava no controle.
Foda-se. Poucas palavras dizem tanto com tão poucas letras.
Eu luto desde que passei a tentar perdoar meu pai e esquecer tudo aquilo que ele já fez. E conviver com ele e tentar ser um bom filho. E também luto quanto tento fazer com que a minha mãe acredite que eu estou bem, luto quando minto para mim mesmo dizendo que eu não voltaria correndo para a casa dela agora se eu pudesse.
E mentiria se dissesse que me sinto importante para eles. Eu não sou o bastante para ninguém.
Martelo meu cérebro todas as noites para triturar todas as vozes que gritam incessantemente e me impedem de dormir. E mutilo sem hesitação minha própria pele e minha própria carne para jamais ceder ao impulso de pedir ajuda a qualquer um.
Eu luto toda vez que me recuso a me atirar do décimo primeiro andar.
Eu luto todos os dias em que eu continuo respirando. Porque parte de mim já não quer mais viver há anos.
E todas as vezes em que juro que amanhã vai ser um dia melhor. E todas as vezes em que penso que estarei bem em algumas semanas. E em todas as vezes que eu prometi que o ano que vem seria um bom ano.
E alguns dias tem sido melhores, algumas semanas eu tenho estado bem. E esse ano não tem sido ruim.
No final, eu estou mesmo lutando. Os resultados não são os melhores, mas são tudo o que eu tenho agora.
Um passo de cada vez, um pé na frente do outro. Eventualmente, eu vou chegar em algum lugar, qualquer lugar melhor do que aqui e agora. Eu só preciso do tempo e do espaço. E menos gente dizendo o que eu devo fazer. E mais gente entendendo que eu estou sim fazendo alguma coisa.
Preciso de menos "vai se tratar" cuspido com desdém de quem quer empurrar a responsabilidade para qualquer um e mais "li seu texto" seguido de silêncio que diz muito mais do que palavras.
Então me deixem respirar, pois até isso tem sido uma batalha à parte.
Mas de fato, só comecei a perceber sentado na escadaria da Catedral de São Sebastião, sentindo o vento soprar o ar quente de um fim de tarde de Outubro. Alguma coisa acordou dentro da minha cabeça. Antes de vê-lo num caixão com lábios e olhos colados de maneira torpe, pálido como a neve que eu nunca vi de perto. Foi sentado na frente de uma Igreja que eu finalmente percebi o fardo que Deus quis que eu carregasse nas costas por toda minha vida. O motivo de eu nunca ter me dado bem com garotas, de eu nunca ter me adequado a lugar algum, o fato de eu sempre me sentir como se estivesse ficando para trás. O motivo de eu ter medo de escolas e um receio enorme em conduzir a direção de qualquer veículo.
E eu percebi que há muito aquilo já me atormentava. Quando foi que meu subconsciente sorrateiramente passou a apagar as imagens das brigas do meus pais? Eu não consigo me lembrar mais, mas sei de tudo que aconteceu. Eu tentei ignorar isso por anos, eu realmente fingi por quase uma década que não havia nada de errado comigo. E agora, finalmente, resolvi encarar de frente. E tenho lutado, todos os dias da minha vida. Não porque acredito na vitória, mas porque não vou ser derrotado sem me agarrar com unhas e dentes em tudo o que eu puder. Eu não vou parar de correr antes de sentir cada músculo do meu corpo se rompendo, cada osso se quebrando. Só desistirei quando não houver mais força para levantar a porra dos braços e desferir socos em qualquer direção, desesperado e sem objetivo. E eu não sei nem em quem bater, não há um inimigo que eu possa ver, sentir ou tocar. Eu apenas sei que ele existe.
E eu tenho lutado.
Pode parecer que não porque acredito que ninguém saiba como é sentir-se como a única pessoa no mundo. Estéril, invisível. Gritar até arrebentar todas as cordas vocais num lapso de angústia e desespero para perceber que ninguém ouviu. Se você não vê as coisas que eu vejo e como eu vejo, é impossível que você compreenda, e eu entendo isso.
Eu luto com isso todos os dias quando acordo pela manhã sem vontade alguma de viver, sem querer levantar da cama. Meu refúgio e minha prisão. Se eu pudesse materializar o esforço que faço entre o momento em que abro os olhos e finalmente fico em pé pronto para começar o dia, eu poderia mover montanhas sem a menor dificuldade.
Eu luto com isso toda a vez que eu me olho no espelho me vestindo antes de ir para o trabalho como um esnobe, como se eu fosse um deles. Porque eu sei que é mentira. E eu luto contra a sensação de nojo e desprezo que sinto pelo que me tornei. E eu sempre luto contra o relógio pois não consigo cumprir qualquer horário, não consigo organizar qualquer coisa ou redigir qualquer texto sem fazer uma confusão enorme porque minha cabeça está sempre latejando com os mais primitivos e intensos impulsos. Eu luto porque sou eu quem quero me derrotar todos os dias.
Eu luto toda vez que chego ao trabalho e tento - quase sempre em vão - me comportar normalmente, me adequar a tudo, fazer com que as pessoas não notem o quão fodido eu estou. Acreditando de verdade que eu sou parte disso, eu luto contra a parte de mim que sabe que eu nunca serei.
E todas as vezes em que eu me nego a incomodar qualquer um dos meus amigos com isso, eu estou me esforçando muito. E todas as vezes que eu brinco e finjo que estou bem e tento animar as pessoas, e tento ser o melhor que eu posso. E eu juro por tudo que é mais sagrado que eu estou me dilacerando por dentro para poder ser apenas um pouco importante para todo mundo. E, principalmente, eu luto com todas as minhas forças quando ouço alguém dizer:
"Você não está nem ao menos tentando. Nem está se esforçando de verdade. Você não quer mudar."
O mais difícil é lidar com as pessoas que me tratam como se eu fosse um aleijado que não levanta e anda por pura falta de vontade. E sim, eu literalmente cortei meus braços e pernas algumas vezes e carrego cicatrizes comigo por onde eu vou. Eu precisava lembrar a mim mesmo que eu estava no controle.
Foda-se. Poucas palavras dizem tanto com tão poucas letras.
Eu luto desde que passei a tentar perdoar meu pai e esquecer tudo aquilo que ele já fez. E conviver com ele e tentar ser um bom filho. E também luto quanto tento fazer com que a minha mãe acredite que eu estou bem, luto quando minto para mim mesmo dizendo que eu não voltaria correndo para a casa dela agora se eu pudesse.
E mentiria se dissesse que me sinto importante para eles. Eu não sou o bastante para ninguém.
Martelo meu cérebro todas as noites para triturar todas as vozes que gritam incessantemente e me impedem de dormir. E mutilo sem hesitação minha própria pele e minha própria carne para jamais ceder ao impulso de pedir ajuda a qualquer um.
Eu luto toda vez que me recuso a me atirar do décimo primeiro andar.
Eu luto todos os dias em que eu continuo respirando. Porque parte de mim já não quer mais viver há anos.
E todas as vezes em que juro que amanhã vai ser um dia melhor. E todas as vezes em que penso que estarei bem em algumas semanas. E em todas as vezes que eu prometi que o ano que vem seria um bom ano.
E alguns dias tem sido melhores, algumas semanas eu tenho estado bem. E esse ano não tem sido ruim.
No final, eu estou mesmo lutando. Os resultados não são os melhores, mas são tudo o que eu tenho agora.
Um passo de cada vez, um pé na frente do outro. Eventualmente, eu vou chegar em algum lugar, qualquer lugar melhor do que aqui e agora. Eu só preciso do tempo e do espaço. E menos gente dizendo o que eu devo fazer. E mais gente entendendo que eu estou sim fazendo alguma coisa.
Preciso de menos "vai se tratar" cuspido com desdém de quem quer empurrar a responsabilidade para qualquer um e mais "li seu texto" seguido de silêncio que diz muito mais do que palavras.
Então me deixem respirar, pois até isso tem sido uma batalha à parte.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
(Eu)logia
Eu nunca precisaria de um calendário para saber que é Outubro. Eu sinto nas minhas entranhas, é algo extremamente visceral. Deve ser o calor e a péssima mudança para o horário de verão. Os últimos sete Outubros foram iguais: faz um calor desgraçado, eu tenho essa sensação de vazio como se tivesse perdido alguma coisa. E no final do mês, sempre vem um temporal. E eu sempre acabo tomando chuva.
E sempre acabo escrevendo numa madrugada quente.
Se estivesse aqui hoje, você seria a única pessoa com quem eu poderia falar sobre todas as coisas. Tudo aquilo que já há algum tempo eu não tenho me permitido dizer a ninguém. E ás vezes eu fantasio que eu ainda posso falar contigo. Eu converso sozinho de madrugada andando pelo apartamento, tentando me convencer que você está sentado na sala, vendo os gols do Santos e ouvindo tudo aquilo que eu tenho pra dizer. É o que me impede de entrar em colapso, é o único jeito de não me sentir tão solitário.
Eu daria qualquer coisa pra voltar àquele verão onde éramos nós três sentados na frente da capela, escondidos da chuva conversando sobre todas as garotas que nunca conseguiríamos. Rindo da própria tragédia, mas de maneira doce e descontraída, nunca as coisas foram nebulosas quando você estava lá. Também ríamos do meu corte de cabelo - no começo eu não ria, é verdade. E eu posso imaginar de maneira perfeita você bêbado ouvindo uma música idiota que tocava na rádio dizendo o quanto ela era bonita. Foi a única que eu consegui te ensinar a tocar. E eu lembro dela até hoje.
Eu queria, no mínimo, saber dirigir. Então poderia atravessar a estrada no meio da madrugada, ouvindo todas essas músicas que fazem sentido pra mim, tentando ficar acordado até chegar de manhã na casa da minha mãe. Lá eu poderia sentar na mesa da cozinha dela de onde poderia ver a imagem de São Jorge montado no seu cavalo no altar depois do corredor escuro e imaginar como seria se eu acreditasse que sua espada pode me defender quando eu precisar. E poderia dizer pra minha mãe todas as coisas que eu tenho guardadas aqui dentro.
Eu nunca me senti tão solitário apesar de nunca mais ter estado sozinho. Mas pareço estar isolado do resto do mundo. Me sinto um intruso o tempo todo, em todos os lugares. É como se eu não pertencesse a lugar algum, de fato. Eu ainda sinto que você está mais próximo de mim do que qualquer pessoa que ainda respira, do que qualquer voz que eu ouça ou qualquer coração que ainda bate enjaulado no peito de cada um que parece cantar sublime no mais perfeito tom no coro dos contentes.
É quando eu sinto aquele nó se instaurar no fundo do garganta trazendo a boca do estômago até a minha língua.
Você teria se saído bem, muito melhor do que o resto de nós. E me machuca saber que eu nunca fui o amigo que você mereceu em vida. Nunca tive metade da tua sabedoria, um terço da tua paciência ou a mínima fração da sua cumplicidade.
E ninguém quer ouvir eu dizer que preferia ter sido eu.
Fantasmas tem me atormentado desde então por eu não conseguir viver por dois. Nem ao menos por mim eu tenho conseguido. Eu não consigo dormir, tenho fumado mais que deveria e comido menos do que poderia. Também não consigo perseguir meus objetivos por não saber quais são. Me sinto tão perdido quanto me sentia quando tínhamos quinze anos de idade e ríamos de você mijando na concha acústica. Eu estive lá no último ano. Ela não existe mais, foi soterrada para ampliarem a praça.
Sinto falta do quão estúpidos nós fomos. Não porque eu amadureci, mas é que, naquele tempo, eu tinha o direito de ser imbecil, mas o tempo cobra seu preço e todos tem me pressionado pra crescer de uma vez por todas. Mas aqui estou, desmoronando em lamentos para um morto que não pode mais me ouvir.
Também é difícil ouvir as outras pessoas contando histórias da juventude e sentir inveja por não ter vivido nada daquilo porque eu fiquei preso num ano que não acabou e me nego a aceitar que já se passou tanto tempo que todo mundo envelheceu, as coisas mudaram e as prioridades agora são outras. Mas eu passei a maior parte dos últimos sete anos trancado dentro de casa cumprindo minha promessa de odiar o mundo que arrancou de mim toda a minha ambição.
Estou cansado de sentir raiva de tudo. Estou cansado do constante sentimento de inadequação. E, principalmente, estou cansado das pessoas que acham que eu tenho controle sobre isso e posso parar assim que eu desejar. Ser uma pessoa "normal". Quando você morreu, isso era uma coisa boa. Hoje, ser diferente é moda, é hype, todo mundo gosta, exceto quando conhecem alguém que realmente não consegue se encaixar. Pois na vida real, não há romance algum em ser esquisito. Ninguém se importa e com certeza todo mundo vai te deixar pra trás se não conseguir acompanhar o fluxo das coisas. Ninguém quer ouvir um discurso triste de um derrotado, a não ser que ele seja um personagem de ficção.
Mas não, eu não desisti, ainda estou aqui, caminhando sobre essa linha amarela sem saber qual faixa eu devo seguir, sem saber qual direção tomar. Eu deixei o vento me levar pois não consigo tomar qualquer decisão sozinho pois aquele ano fodeu minha cabeça de todas as maneiras possíveis. Eu não consigo me olhar no espelho sem me envergonhar da comparação que insisto em fazer entre quem eu sou e quem eu imaginava que seria. Estou constantemente desapontado por não ser bom o bastante em absolutamente nada e não ter uma boa história pra contar.
Pelo menos em parte, aquele Outubro me matou junto com você. E eu não sei se me despeço de ti ou de todos os outros.
E sempre acabo escrevendo numa madrugada quente.
Se estivesse aqui hoje, você seria a única pessoa com quem eu poderia falar sobre todas as coisas. Tudo aquilo que já há algum tempo eu não tenho me permitido dizer a ninguém. E ás vezes eu fantasio que eu ainda posso falar contigo. Eu converso sozinho de madrugada andando pelo apartamento, tentando me convencer que você está sentado na sala, vendo os gols do Santos e ouvindo tudo aquilo que eu tenho pra dizer. É o que me impede de entrar em colapso, é o único jeito de não me sentir tão solitário.
Eu daria qualquer coisa pra voltar àquele verão onde éramos nós três sentados na frente da capela, escondidos da chuva conversando sobre todas as garotas que nunca conseguiríamos. Rindo da própria tragédia, mas de maneira doce e descontraída, nunca as coisas foram nebulosas quando você estava lá. Também ríamos do meu corte de cabelo - no começo eu não ria, é verdade. E eu posso imaginar de maneira perfeita você bêbado ouvindo uma música idiota que tocava na rádio dizendo o quanto ela era bonita. Foi a única que eu consegui te ensinar a tocar. E eu lembro dela até hoje.
Eu queria, no mínimo, saber dirigir. Então poderia atravessar a estrada no meio da madrugada, ouvindo todas essas músicas que fazem sentido pra mim, tentando ficar acordado até chegar de manhã na casa da minha mãe. Lá eu poderia sentar na mesa da cozinha dela de onde poderia ver a imagem de São Jorge montado no seu cavalo no altar depois do corredor escuro e imaginar como seria se eu acreditasse que sua espada pode me defender quando eu precisar. E poderia dizer pra minha mãe todas as coisas que eu tenho guardadas aqui dentro.
Eu nunca me senti tão solitário apesar de nunca mais ter estado sozinho. Mas pareço estar isolado do resto do mundo. Me sinto um intruso o tempo todo, em todos os lugares. É como se eu não pertencesse a lugar algum, de fato. Eu ainda sinto que você está mais próximo de mim do que qualquer pessoa que ainda respira, do que qualquer voz que eu ouça ou qualquer coração que ainda bate enjaulado no peito de cada um que parece cantar sublime no mais perfeito tom no coro dos contentes.
É quando eu sinto aquele nó se instaurar no fundo do garganta trazendo a boca do estômago até a minha língua.
Você teria se saído bem, muito melhor do que o resto de nós. E me machuca saber que eu nunca fui o amigo que você mereceu em vida. Nunca tive metade da tua sabedoria, um terço da tua paciência ou a mínima fração da sua cumplicidade.
E ninguém quer ouvir eu dizer que preferia ter sido eu.
Fantasmas tem me atormentado desde então por eu não conseguir viver por dois. Nem ao menos por mim eu tenho conseguido. Eu não consigo dormir, tenho fumado mais que deveria e comido menos do que poderia. Também não consigo perseguir meus objetivos por não saber quais são. Me sinto tão perdido quanto me sentia quando tínhamos quinze anos de idade e ríamos de você mijando na concha acústica. Eu estive lá no último ano. Ela não existe mais, foi soterrada para ampliarem a praça.
Sinto falta do quão estúpidos nós fomos. Não porque eu amadureci, mas é que, naquele tempo, eu tinha o direito de ser imbecil, mas o tempo cobra seu preço e todos tem me pressionado pra crescer de uma vez por todas. Mas aqui estou, desmoronando em lamentos para um morto que não pode mais me ouvir.
Também é difícil ouvir as outras pessoas contando histórias da juventude e sentir inveja por não ter vivido nada daquilo porque eu fiquei preso num ano que não acabou e me nego a aceitar que já se passou tanto tempo que todo mundo envelheceu, as coisas mudaram e as prioridades agora são outras. Mas eu passei a maior parte dos últimos sete anos trancado dentro de casa cumprindo minha promessa de odiar o mundo que arrancou de mim toda a minha ambição.
Estou cansado de sentir raiva de tudo. Estou cansado do constante sentimento de inadequação. E, principalmente, estou cansado das pessoas que acham que eu tenho controle sobre isso e posso parar assim que eu desejar. Ser uma pessoa "normal". Quando você morreu, isso era uma coisa boa. Hoje, ser diferente é moda, é hype, todo mundo gosta, exceto quando conhecem alguém que realmente não consegue se encaixar. Pois na vida real, não há romance algum em ser esquisito. Ninguém se importa e com certeza todo mundo vai te deixar pra trás se não conseguir acompanhar o fluxo das coisas. Ninguém quer ouvir um discurso triste de um derrotado, a não ser que ele seja um personagem de ficção.
Mas não, eu não desisti, ainda estou aqui, caminhando sobre essa linha amarela sem saber qual faixa eu devo seguir, sem saber qual direção tomar. Eu deixei o vento me levar pois não consigo tomar qualquer decisão sozinho pois aquele ano fodeu minha cabeça de todas as maneiras possíveis. Eu não consigo me olhar no espelho sem me envergonhar da comparação que insisto em fazer entre quem eu sou e quem eu imaginava que seria. Estou constantemente desapontado por não ser bom o bastante em absolutamente nada e não ter uma boa história pra contar.
Pelo menos em parte, aquele Outubro me matou junto com você. E eu não sei se me despeço de ti ou de todos os outros.
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Dois Dedos D'água
Várias pessoas me disseram, nos últimos três meses, que eu deveria visitar um psicólogo.
Basicamente, pagar um profissional para ouvir todas aquelas coisas que eu tenho pra dizer e tentar me orientar sobre o que fazer. De fato, essas pessoas disseram pra eu pagar um especialista para fazer isso porque elas estão de saco cheio de fazer de graça.
Eu estou bem, obrigado. Não vou precisar de ajuda alguma por um bom tempo. Nem de piedade ou pena. Muito menos de julgamentos e ironias. Eu sei dos meus problemas (acho que todo mundo sabe).
Várias pessoas me disseram que o fato de eu não querer essa ajuda significa que eu não tenho problema algum e/ou não estou lutando contra ele. Da mesma maneira que uma pessoa que - seja lá qual for o motivo - não quer participar das sessões de quimioterapia não tem câncer de verdade. E aquela que se nega a usar uma prótese nunca sofreu uma amputação de verdade. Ou pior: essas duas pessoas se colocaram nessa situação simplesmente porque quiseram e podem sair dela assim que desejarem. Só não estão "se esforçando o bastante".
Estou vivendo submerso, mas descobri que o mar é raso, se eu lutar, nunca vou me afogar. Basta levantar o queixo e ficar nas pontas dos pés. Apenas dois dedos d'água me separam da superfície. Então corto meus pés em corais e estico meu corpo até seus limites anatômicos para projetar meu rosto pra fora d'água e, assim, conseguir respirar.
Cada um luta como pode, ninguém pode dizer que eu não estou tentando. Uns encontram conforto dentro de uma igreja, outros num consultório ou numa embalagem de remédios controlados. Tem aqueles que se agarram a coisas, a outras pessoas, às suas atividades.Mas alguns só aprendem a aumentar sua capacidade pulmonar.
Eu posso me afogar, eu sei. Mas não vou sem brigar até a exaustão para ficar aqui.
Basicamente, pagar um profissional para ouvir todas aquelas coisas que eu tenho pra dizer e tentar me orientar sobre o que fazer. De fato, essas pessoas disseram pra eu pagar um especialista para fazer isso porque elas estão de saco cheio de fazer de graça.
Eu estou bem, obrigado. Não vou precisar de ajuda alguma por um bom tempo. Nem de piedade ou pena. Muito menos de julgamentos e ironias. Eu sei dos meus problemas (acho que todo mundo sabe).
Várias pessoas me disseram que o fato de eu não querer essa ajuda significa que eu não tenho problema algum e/ou não estou lutando contra ele. Da mesma maneira que uma pessoa que - seja lá qual for o motivo - não quer participar das sessões de quimioterapia não tem câncer de verdade. E aquela que se nega a usar uma prótese nunca sofreu uma amputação de verdade. Ou pior: essas duas pessoas se colocaram nessa situação simplesmente porque quiseram e podem sair dela assim que desejarem. Só não estão "se esforçando o bastante".
Estou vivendo submerso, mas descobri que o mar é raso, se eu lutar, nunca vou me afogar. Basta levantar o queixo e ficar nas pontas dos pés. Apenas dois dedos d'água me separam da superfície. Então corto meus pés em corais e estico meu corpo até seus limites anatômicos para projetar meu rosto pra fora d'água e, assim, conseguir respirar.
Cada um luta como pode, ninguém pode dizer que eu não estou tentando. Uns encontram conforto dentro de uma igreja, outros num consultório ou numa embalagem de remédios controlados. Tem aqueles que se agarram a coisas, a outras pessoas, às suas atividades.Mas alguns só aprendem a aumentar sua capacidade pulmonar.
Eu posso me afogar, eu sei. Mas não vou sem brigar até a exaustão para ficar aqui.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Enxoval
Ela desceu do trem com passos curtos. Parecia perdida na Estação, embora já estivesse lá outras tantas vezes. Dezesseis anos, na bolsa, um cartão com endereço onde tinha hora marcada. O resultado dos exames e um bolo de dinheiro equivalente a mais de seis meses do seu salário. Ela saiu da estação procurando o melhor caminho para chegar ao endereço.
O "consultório" ficava há poucas quadras do Largo da Concórdia. Era Setembro e ela podia ver a luz do sol por trás dos prédios do Brás numa tarde quente que deixava claro que o inverno estava acabando. A cada dia o frio de Julho e Agosto parecia mais distante.
A cada passo ela só podia sentir a sensação de culpa e medo pensando na conversa que teve com a irmã e o cunhado no dia anterior quando ela mostrou os exames. Sua mãe não sabia, nem poderia saber. Contar estava fora de questão. Era uma questão de garantir sua integridade física. A irmã mais velha era a única a quem podia recorrer. E seu cunhado - um bixeiro da Penha - eram seus confidentes então.
O pai ainda não sabia, e provavelmente nem iria saber. O cunhado chegou no dia anterior com um bolo de dinheiro, um cartão com um endereço e uma hora marcada. E disse que era uma alternativa, mas que ela fizesse o que achasse melhor com o dinheiro e com o cartão. Ele só não queria que ela fosse vítima do próprio destino, o que quer que acontecesse então, seria sua escolha.
E lá estava ela, sentada num banco do Largo da Concórdia no meio da tarde tentando tomar uma decisão. Conferiu de novo o bolo de dinheiro. Incontáveis cédulas enroladas num elástico em um formato cilíndrico. Ela não se lembrava de ter visto tanto dinheiro assim na vida. Pensou em tantas coisas poderia comprar. Todos os seus sonhos fúteis de consumo adolescente ou até mesmo como aquela grana poderia financiar um bom estudo. Agora, o dinheiro serviria para ela continuar tendo a mesma vida de sempre: a de uma adolescente da periferia paulistana, perdida meio ao caos suburbano imersa na miragem que o calor causava no concreto da metrópole.
Seria um crime assim tão grave não querer que sua vida se virasse de cabeça para baixo? As coisas nunca foram fáceis, agora seriam ainda mais complicadas. Seria possível que lhe apontassem dedos com julgamentos cruéis e insensatos? Poderia ela se condenar por tentar tomar controle da sua própria vida, ao menos uma vez?
Uma lágrima correu pelo seu rosto e evaporou ao tocar o chão quente. Percebeu que já amava uma pessoa que ela ainda nem conhecia.
Sua mãe ficou confusa ao chegar em casa e encontrar um enxoval de bebê completo sobre a cama do quarto da filha. Além de um berço bonito de madeira desses de qualidade que não mais se produzem. A filha lhe entregou o resto do dinheiro que ainda somava uma grande quantia perto do que entrava naquela casa humilde vindo do trabalho árduo das mulheres que ali residiam.
Ao invés do sermão ou surra, o abraço e a compreensão de mãe - que conhecia bem o peso de ser responsável por uma vida e a coragem necessária para tomar qualquer uma das decisões que a filha teve que tomar naquela tarde de Setembro. Coragem que só mulheres podem ter. Responsabilidade que nós homens tantas vezes nos negamos a assumir.
E é essa a coragem de quem escolhe (ou é escolhida) para gerar uma vida. Sabendo que suas vidas nunca mais serão as mesmas, travam uma guerra num campo de batalha que soldado algum jamais teve de entrar.
E se estamos aqui agora, é porque alguma delas já travou essa batalha e decidiu por nós. Mas principalmente, por elas.
O "consultório" ficava há poucas quadras do Largo da Concórdia. Era Setembro e ela podia ver a luz do sol por trás dos prédios do Brás numa tarde quente que deixava claro que o inverno estava acabando. A cada dia o frio de Julho e Agosto parecia mais distante.
A cada passo ela só podia sentir a sensação de culpa e medo pensando na conversa que teve com a irmã e o cunhado no dia anterior quando ela mostrou os exames. Sua mãe não sabia, nem poderia saber. Contar estava fora de questão. Era uma questão de garantir sua integridade física. A irmã mais velha era a única a quem podia recorrer. E seu cunhado - um bixeiro da Penha - eram seus confidentes então.
O pai ainda não sabia, e provavelmente nem iria saber. O cunhado chegou no dia anterior com um bolo de dinheiro, um cartão com um endereço e uma hora marcada. E disse que era uma alternativa, mas que ela fizesse o que achasse melhor com o dinheiro e com o cartão. Ele só não queria que ela fosse vítima do próprio destino, o que quer que acontecesse então, seria sua escolha.
E lá estava ela, sentada num banco do Largo da Concórdia no meio da tarde tentando tomar uma decisão. Conferiu de novo o bolo de dinheiro. Incontáveis cédulas enroladas num elástico em um formato cilíndrico. Ela não se lembrava de ter visto tanto dinheiro assim na vida. Pensou em tantas coisas poderia comprar. Todos os seus sonhos fúteis de consumo adolescente ou até mesmo como aquela grana poderia financiar um bom estudo. Agora, o dinheiro serviria para ela continuar tendo a mesma vida de sempre: a de uma adolescente da periferia paulistana, perdida meio ao caos suburbano imersa na miragem que o calor causava no concreto da metrópole.
Seria um crime assim tão grave não querer que sua vida se virasse de cabeça para baixo? As coisas nunca foram fáceis, agora seriam ainda mais complicadas. Seria possível que lhe apontassem dedos com julgamentos cruéis e insensatos? Poderia ela se condenar por tentar tomar controle da sua própria vida, ao menos uma vez?
Uma lágrima correu pelo seu rosto e evaporou ao tocar o chão quente. Percebeu que já amava uma pessoa que ela ainda nem conhecia.
Sua mãe ficou confusa ao chegar em casa e encontrar um enxoval de bebê completo sobre a cama do quarto da filha. Além de um berço bonito de madeira desses de qualidade que não mais se produzem. A filha lhe entregou o resto do dinheiro que ainda somava uma grande quantia perto do que entrava naquela casa humilde vindo do trabalho árduo das mulheres que ali residiam.
Ao invés do sermão ou surra, o abraço e a compreensão de mãe - que conhecia bem o peso de ser responsável por uma vida e a coragem necessária para tomar qualquer uma das decisões que a filha teve que tomar naquela tarde de Setembro. Coragem que só mulheres podem ter. Responsabilidade que nós homens tantas vezes nos negamos a assumir.
E é essa a coragem de quem escolhe (ou é escolhida) para gerar uma vida. Sabendo que suas vidas nunca mais serão as mesmas, travam uma guerra num campo de batalha que soldado algum jamais teve de entrar.
E se estamos aqui agora, é porque alguma delas já travou essa batalha e decidiu por nós. Mas principalmente, por elas.
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Cul-de-Sac
Então, aqui estamos.
Mais uma vez, presos a esse caos planejado onde todas as ruas não levam a lugar algum. E rodamos por muito tempo por essas ruas, queimando todo o combustível e tempo que tínhamos, passando por centenas de casas que parecem todas iguais, presos nesse labirinto suburbano. O gueto ganhou água encanada, esgoto, asfalto, luz elétrica, mas segue como o reduto de todos os desajustados, prisioneiros de suas casas pré-fabricadas, padronizadas, simetricamente construídas em loteamentos labirínticos, onde ruas levam a lugar nenhum, como uma metáfora que diz que jamais sairemos daqui.
É isso que eu sou, e disse desde o início. Uma estrada que leva a lugar nenhum. No final, só haverá um balão de retorno. A única opção, será voltar pelo mesmo caminho que veio. Ou então parar sem chegar em lugar algum. Todos já desistiram, ou pelo menos foi o que você disse, então não vou mais me preocupar em alertar ninguém. Não preciso colocar uma placa numa rua que todos sabem que não tem saída.
A escolha entre continuar ou não é sua. Mas você nunca poderá dizer que não sabia onde essa estrada iria te levar.
Mais uma vez, presos a esse caos planejado onde todas as ruas não levam a lugar algum. E rodamos por muito tempo por essas ruas, queimando todo o combustível e tempo que tínhamos, passando por centenas de casas que parecem todas iguais, presos nesse labirinto suburbano. O gueto ganhou água encanada, esgoto, asfalto, luz elétrica, mas segue como o reduto de todos os desajustados, prisioneiros de suas casas pré-fabricadas, padronizadas, simetricamente construídas em loteamentos labirínticos, onde ruas levam a lugar nenhum, como uma metáfora que diz que jamais sairemos daqui.
É isso que eu sou, e disse desde o início. Uma estrada que leva a lugar nenhum. No final, só haverá um balão de retorno. A única opção, será voltar pelo mesmo caminho que veio. Ou então parar sem chegar em lugar algum. Todos já desistiram, ou pelo menos foi o que você disse, então não vou mais me preocupar em alertar ninguém. Não preciso colocar uma placa numa rua que todos sabem que não tem saída.
A escolha entre continuar ou não é sua. Mas você nunca poderá dizer que não sabia onde essa estrada iria te levar.
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