Ela me perguntou quais eram os meus planos. Eu ri e não soube responder. Não, eu não sigo planos, eu não estabeleço metas, eu não penso grande. É uma das coisas que eu não consigo fazer. Estou vivo a nos dessa maneira. O respirador que me mantém plugado nessa rede de erros chamada vida é o jogo do meu time no próximo Domingo, o exame no fim do trimestre, algo que eu combinei com alguém na semana que vem, o disco que sai no próximo mês. Eu não acho que isso seja mediocridade. Acho que é a maior de todas idiossincrasias: se ater a momentos breves. Foda-se a minha carreira, eu quero aprender a cantar aquela música do Frank Sinatra e ver o São Paulo campeão da Libertadores mais uma vez.
E eu acho já isso tremendamente ambicioso uma vez que eu sou o que sou: o que restou de cada convicção lascada a cada novo tropeço. O eterno estrangeiro preso dentro de um esqueleto que não é seu. Sem nada em comum com nada nem com ninguém esperando a tragédia/milagre que vai salvá-lo dele mesmo. Como se aquele salto que não prevê uma parada por uma rede de segurança fosse fazer de mim uma pessoa diferente quando minhas tripas se espalhassem pela calçada.
Eu odeio tantas coisas que para escrever uma lista eu precisaria derrubar a porra da floresta Amazônica.
Foi então que ela disse: "talvez ser assim seja uma opção sua".
A minha primeira reação foi de raiva. Eu quis virar a mesa sobre ela e socá-la até o osso do seu nariz sair pelo céu da boca e seus dentes balançarem como malabaristas em trapézios a cada movimento da cabeça. Mas não fiz isso, só tentei encontrar num canto da minha cabeça algum argumento simples que pudesse desmontar tamanho absurdo. Opção? Por quê caralhos alguém escolheria ser assim? É um passo bem curto entre o anseio pela resposta e o desespero mediante sua ausência. Você sabe que um cão arma um gatilho que é puxado e aciona um percursor. O percursor acerta a agulha que explode a espoleta. O propelente inflama, os gases dentro do estojo se expandem, o projétil é empurrado pelo cano. As raias se enchem de ar, fogo e pólvora queimada. O projétil deixa a arma para acertar algum alvo, mas você não vê nada disso.
O que você vê? Um filho da puta puxa um gatilho, um outro filho da puta cai morto no chão. Num momento, você está somente procurando uma resposta, no outro, decepcionado por não encontrar. É então que a tristeza se torna mágoa, ressentimento. A ira congelada esperando as condições certas de temperatura e pressão para te obrigar a fazer uma nova merda na sua vida. Dizer coisas das quais vai se arrepender e fazer coisas das quais vai se envergonhar. Levamos milhões de anos para descobrir a porcaria da roda, não me surpreende que alguns de nós ainda não aprendemos a lidar com as coisas que sentimos.
Entretanto, depois de um tempo remoendo-se com a possibilidade dela estar certa como um moleque chato que não quer brincar com seu carrinho de plástico vagabundo, mas também não quer emprestar para ninguém na creche. Minha insegurança é só minha. Não gosto dela, mas não vou dividir essa merda com ninguém. Os momentos que a gente se toca das coisas são os mais engraçados; quando você descobre que o seu terapeuta conhece uma amiga sua que sabe coisas que você só disse pra ele. Quando você descobre que a promessa de não contar sobre certas coisas só valia para um dos lados. Quando você percebe que metade dos imbecis na sua sala te olham com cara de nojo e você nem sabe porque. Quando você percebe que os 30 já estão mais perto do que os 20 e você não fez absolutamente merda nenhuma com a sua vida até agora. Quando os amigos que sobraram percebem que não, você não vai estar no próximo ano novo.
Eu sou o que sou por opção. Puta merda, como é difícil admitir isso. Pior que isso, só tentar entender porque eu tomei essa escolha e se ela foi consciente. Eu me sinto constantemente desconfortável. Do momento que eu acordo ao que eu vou dormir. Isso quando eu consigo dormir, tem dias em que não dá. E mesmo quando tenho a felicidade de cair no sono, acordo de pesadelos dos quais não me lembro. Eu só choro nos meus sonhos, não consigo fazer isso quando estou acordado mesmo quando eu quero muito. Absolutamente esvaziado de qualquer significado, eu não sinto que faço parte de qualquer coisa. É como se eu vivesse a vida por cima de camadas de filtros de celofane que me impedem de ver a verdadeira cor das coisas. Eu não tenho muito em comum com ninguém, me enganei em todas as vezes que acreditei que tinha.
E já não sei mais se o que ela disse é uma mentira. E não sei qual das duas possibilidades me desaponta mais.
Se eu desse replay apenas nos dias bons nos últimos dez anos, eu terminaria de assistir tudo antes do final desse ano. O último já foi há quase seis meses. E eu sinto falta de cada um deles. Eu sinto falta de pessoas com quem eu não falo já tem anos. Gente que caga e anda pra mim e eu não consigo entender porque me importo tanto.
Eu sou uma versão atualizada do meu pai. Eu acho que nunca amei nada na minha vida. O que é diferente de não amar ninguém. Não amar ninguém seria um problema mais fácil de superar.
ENFIM, por quê caralhos eu tomaria por livre iniciativa de maneira absolutamente espontânea a estúpida decisão de ser como eu sou?
Acho que é porque a fraqueza é confortável. E além disso, a adequação está diretamente ligada à castração de muita coisa. Qual a valor da felicidade se você precisa se mutilar para obtê-la? Se ela é um produto enlatado disponível numa limitada quantidade de cores e sabores, um punhado de comprimidos azuis que fazem as reações químicas certas acontecerem dentro da sua cabeça. Pastilhas de conformismo, drops de alegria. Você instala o aplicativo correto e aí sim pode sorrir. Descartabilidade em nome do ego.
Valeu, eu passo. É mais negócio perder o sono. E poder se odiar ainda é uma dádiva.
Se eu fosse outra pessoa completamente diferente, eu ainda estaria doente.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
Olho Mágico
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento. Eu desço eu subo sei lá quantas vezes por dia. Mas tem pouco tempo que eu notei que o olho mágico não fica no meio da porta. Ele está ligeiramente a esquerda. Eu não consigo explicar o quanto isso me incomoda.
Quando eu olho através dele eu vejo dois lances de escada, um que leva ao andar de cima e outro que leva ao andar de baixo. O apartamento no final do lance que desce tem uma plaquinha pendurada na porta. Um retângulo de madeira pintado de azul e com letras pretas onde pode-se ler "Aqui vive uma família feliz". Sempre que eu passo pela porta eu imagino se isso é verdade.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento. É engraçado como temos dúvidas estranhas de madrugada. É assustador como a internet pode responder muitas delas. É engraçado como a gente demora a reparar algumas coisas como o olho mágico ligeiramente a esquerda na porta ou restos mortais de um desastre.
Cinco anos depois dos atentados de 11 de Setembro, encontraram mais de setenta fragmentos de ossos no terraço do Deutsche Bank. Isso significa que pedaços de corpos foram projetados a mais de cinquenta metros da Torre Sul. É engraçado o tipo de coisa que a gente pensa. Uma hora você está vivo, na outra, não está mais. Os seus pedaços estão espalhados a quarteirões de distância. Não há nem mesmo um corpo para sepultar. Se você procurar nos sites certos, você encontra pedaços de ossos de mortos nos atentados a venda. Não sei dizer se são legítimos ou não.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento. Ás vezes me sinto preso num loop interminável. Um dia termina, outro começa e eu não consigo dizer a diferença entre eles. Trocaram um dos bancos da área de lazer por um novo. Não sei se foi ontem ou se foi há um mês atrás. É engraçado como não percebemos algumas coisas. É engraçado algumas dúvidas que temos.
A bomba usada no atentado de Oklahoma custou menos de cinco mil dólares e matou 168 pessoas. Vinte e nove dólares e setenta e seis centavos. Foi quanto custou matar cada pessoa naquele dia. Meia dúzia de maços de cigarro. O preço de alguns livros de auto-ajuda. Dá para comprar uns quinze quilos de café. Menos do que a mensalidade de um plano de internet banda larga. Uma hora você tá vivo, na outra hora não está mais. Eles vão ter que identificar seu corpo pelo que sobrar da arcada dentária Encontram quatro tornozelos esquerdos, nenhuma mão direita. E o espetáculo custa um par de ingressos no Cinema.
O olho mágico na minha porta está 1,8cm para esquerda. Eu medi. Comparei com todas as portas do bloco. É o único que não está exatamente no centro da porta. Só agora eu percebi.
Se você procurar nos sites certos, você encontra receitas de explosivos feitos com fertilizantes a base de nitrato de amônia. É engraçado como a internet pode nos responder algumas coisas. Algumas respostas são mais macabras do que outras. Corpos de indigentes são enterrados nus e sem tampo no caixão. Você pode fazer Napalm misturando gasolina, isopor e óleo de motor até virar um líquido viscoso como detergente. Preencha uma munição de ponta oca com mercúrio e feche o buraco com cera de vela. Se o tiro não matar, o envenenamento mata.
Se você olhar bem de perto, encontra qualquer coisa.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento e eu continuo preso nesse loop sem saber onde um dia começa e o outro acaba. Será que se meu olho mágico estivesse no centro da porta eu poderia ver o lado de fora de uma maneira diferente?
Tento não me perguntar. Mantenho tudo a uma certa distância. Tento não falar com ninguém. Como muito pouco, não durmo quase nada. São seis lances de escada e eu ainda não subi nenhum. Lembro de uma história de um homem que foi baleado seis vezes. Nenhum dos tiros o atingiu, mas ele morreu mesmo assim. Se você acredita com força o bastante que sua vida vai acabar, ela acaba independentemente dos fatores externos. O cabo é puxado da tomada, a sua consciência é desligada.
São seis lances de escada da garagem ao meu apartamento. Eu cobri o olho mágico com fita preta.
Quando eu olho através dele eu vejo dois lances de escada, um que leva ao andar de cima e outro que leva ao andar de baixo. O apartamento no final do lance que desce tem uma plaquinha pendurada na porta. Um retângulo de madeira pintado de azul e com letras pretas onde pode-se ler "Aqui vive uma família feliz". Sempre que eu passo pela porta eu imagino se isso é verdade.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento. É engraçado como temos dúvidas estranhas de madrugada. É assustador como a internet pode responder muitas delas. É engraçado como a gente demora a reparar algumas coisas como o olho mágico ligeiramente a esquerda na porta ou restos mortais de um desastre.
Cinco anos depois dos atentados de 11 de Setembro, encontraram mais de setenta fragmentos de ossos no terraço do Deutsche Bank. Isso significa que pedaços de corpos foram projetados a mais de cinquenta metros da Torre Sul. É engraçado o tipo de coisa que a gente pensa. Uma hora você está vivo, na outra, não está mais. Os seus pedaços estão espalhados a quarteirões de distância. Não há nem mesmo um corpo para sepultar. Se você procurar nos sites certos, você encontra pedaços de ossos de mortos nos atentados a venda. Não sei dizer se são legítimos ou não.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento. Ás vezes me sinto preso num loop interminável. Um dia termina, outro começa e eu não consigo dizer a diferença entre eles. Trocaram um dos bancos da área de lazer por um novo. Não sei se foi ontem ou se foi há um mês atrás. É engraçado como não percebemos algumas coisas. É engraçado algumas dúvidas que temos.
A bomba usada no atentado de Oklahoma custou menos de cinco mil dólares e matou 168 pessoas. Vinte e nove dólares e setenta e seis centavos. Foi quanto custou matar cada pessoa naquele dia. Meia dúzia de maços de cigarro. O preço de alguns livros de auto-ajuda. Dá para comprar uns quinze quilos de café. Menos do que a mensalidade de um plano de internet banda larga. Uma hora você tá vivo, na outra hora não está mais. Eles vão ter que identificar seu corpo pelo que sobrar da arcada dentária Encontram quatro tornozelos esquerdos, nenhuma mão direita. E o espetáculo custa um par de ingressos no Cinema.
O olho mágico na minha porta está 1,8cm para esquerda. Eu medi. Comparei com todas as portas do bloco. É o único que não está exatamente no centro da porta. Só agora eu percebi.
Se você procurar nos sites certos, você encontra receitas de explosivos feitos com fertilizantes a base de nitrato de amônia. É engraçado como a internet pode nos responder algumas coisas. Algumas respostas são mais macabras do que outras. Corpos de indigentes são enterrados nus e sem tampo no caixão. Você pode fazer Napalm misturando gasolina, isopor e óleo de motor até virar um líquido viscoso como detergente. Preencha uma munição de ponta oca com mercúrio e feche o buraco com cera de vela. Se o tiro não matar, o envenenamento mata.
Se você olhar bem de perto, encontra qualquer coisa.
São seis lances de escada da garagem até o meu apartamento e eu continuo preso nesse loop sem saber onde um dia começa e o outro acaba. Será que se meu olho mágico estivesse no centro da porta eu poderia ver o lado de fora de uma maneira diferente?
Tento não me perguntar. Mantenho tudo a uma certa distância. Tento não falar com ninguém. Como muito pouco, não durmo quase nada. São seis lances de escada e eu ainda não subi nenhum. Lembro de uma história de um homem que foi baleado seis vezes. Nenhum dos tiros o atingiu, mas ele morreu mesmo assim. Se você acredita com força o bastante que sua vida vai acabar, ela acaba independentemente dos fatores externos. O cabo é puxado da tomada, a sua consciência é desligada.
São seis lances de escada da garagem ao meu apartamento. Eu cobri o olho mágico com fita preta.
sábado, 21 de janeiro de 2017
Cenotáfio
Ninguém nunca diz que ás vezes desistir requer coragem. Eu desisti de escrever e precisei convencer cada nervo do meu corpo de que era melhor assim. Eu não tenho dito muito. Eu não tenho sido honesto com ninguém há muito tempo. Eu não tenho sido honesto comigo mesmo.
Foda-se isso, eu não quero mais empilhar dezenas de milhares de caracteres sobre o quão fodido eu sou. Por mais que ás vezes eu sinta vontade e até mesmo necessidade eu não quero mais costurar narrativas egocêntricas sobre como eu não consigo lidar com toda a merda com a qual as pessoas lidam todos os dias. Eu levei sete anos para entender que eu não sou um floquinho de neve especial.
Eu não quero mais erguer monumentos a minha auto piedade. "Por favor, olhem pra mim, notem o quão miserável eu me tornei!".
Foda-se isso, eu não quero mais empilhar dezenas de milhares de caracteres sobre o quão fodido eu sou. Por mais que ás vezes eu sinta vontade e até mesmo necessidade eu não quero mais costurar narrativas egocêntricas sobre como eu não consigo lidar com toda a merda com a qual as pessoas lidam todos os dias. Eu levei sete anos para entender que eu não sou um floquinho de neve especial.
Eu não quero mais erguer monumentos a minha auto piedade. "Por favor, olhem pra mim, notem o quão miserável eu me tornei!".
Eu me lembro de acordar no banco de trás e ver o mar pela primeira vez através da janela do carro. Numa manhã nublada com os olhos ainda meio abertos eu não podia ver na linha do horizonte onde começava o céu e terminava o mar. Era tudo apenas uma camada de tons de cinza. É engraçado como algumas linhas são absolutamente tênues. Eu tinha 10 anos de idade e fiquei profundamente desapontado com o mar. Se o Oceano Atlântico não conseguiu atender ás expectativas da criança que eu era como eu agora o posso fazer? Esse não é um problema só meu.
Será que existe uma forma de se perdoar por não ter se tornado aquilo que um dia desejou?
Nós vagamos pela vulgaridade que é viver. Eu não sou único e nem deveria ser. Toda a minha geração escreve sua história imersa na crueldade ordinária do cotidiano que forma linhas tênues que não nos permitem ver onde um dia começa e outro acaba. Fillers. Pilhas de copos descartáveis acinzentados. Camadas e camadas de apatia e indiferença sob dezenas de filtros e mediações. Alprazolam, Metilfenidato, Lorazepam, Diazepam, Bupropiona, Clonazepam, Fluoxetina, Maprotilina...
Chegamos aos 25 com mais receitas de medicamentos controlados do que realizações em nossas vidas.
Nós continuamos vivos porque exige menos esforço. Porque persistir ás vezes é confortável. Seguimos esvaziados de significado ou desejo, caminhando sem saber porque movidos pela inércia. Engolimos comprimidos que não deveríamos, nos relacionamos com pessoas que não amamos, empreendemos carreiras que não queremos,
Esperamos milagres ou desastres que atribuam um novo significado ao que é viver. Porque só existir parece não ser o bastante.
Somos todos, em maior ou menor nível, miseráveis. Mas tudo bem. Porque mesmo nos piores dias, não estaremos sozinhos.
Mesmo nos piores dias quando não quero levantar da cama até que eu crie raízes que se alastrem pelo chão e pelas paredes. Mesmo nos piores dias em que não consigo olhar meu reflexo no espelho sem sentir nojo da pessoa que eu sou. Mesmo nos piores dias em que a masturbação se torna uma prática impossível porque nem eu mesmo quero me tocar. Mesmo nos piores dias em que sinto inveja de quem tem doenças terminais. Mesmo nos dias tão ruins que eu deixo de pensar em suicídio porque, caralho, eu mereço sofrer muito mais que isso antes de ir embora.
Tudo bem porque há uma legião de outros cadáveres ambulantes caminhando na mesma direção. Uma enormidade de pessoas que sentem medo e desespero do presente e do futuro e que não sabem lidar com o quanto que é vago estar aqui e agora se sentindo sempre forasteiras não importa aonde estejam. Gente que vai ler isso e se identificar. Somos muitos, nós temos muitas coisas em comum. Nenhum de nós é especial.
Então por quê é que eu nunca me senti tão sozinho?
Ser comum não quer dizer que seja normal ou tampouco que seja bom. E foda-se o que meu terapeuta diz: se todo mundo se sente assim então todo mundo está doente. E agora não entendo se não nos percebemos ou apenas nos acomodamos. Afinal, a fraqueza é confortável porque ela sempre vai estar lá. O que temos de mais próximo à tal da estabilidade. Não importa de qualquer forma.
No final, tudo o que podemos fazer é celebrar ritos funerários a quem nós pensávamos que poderíamos ser. Derrubar meia dúzia de flores sobre um túmulo e ignorar o fato de que não há nada sepultado nele.
Será que existe uma forma de se perdoar por não ter se tornado aquilo que um dia desejou?
Nós vagamos pela vulgaridade que é viver. Eu não sou único e nem deveria ser. Toda a minha geração escreve sua história imersa na crueldade ordinária do cotidiano que forma linhas tênues que não nos permitem ver onde um dia começa e outro acaba. Fillers. Pilhas de copos descartáveis acinzentados. Camadas e camadas de apatia e indiferença sob dezenas de filtros e mediações. Alprazolam, Metilfenidato, Lorazepam, Diazepam, Bupropiona, Clonazepam, Fluoxetina, Maprotilina...
Chegamos aos 25 com mais receitas de medicamentos controlados do que realizações em nossas vidas.
Nós continuamos vivos porque exige menos esforço. Porque persistir ás vezes é confortável. Seguimos esvaziados de significado ou desejo, caminhando sem saber porque movidos pela inércia. Engolimos comprimidos que não deveríamos, nos relacionamos com pessoas que não amamos, empreendemos carreiras que não queremos,
Esperamos milagres ou desastres que atribuam um novo significado ao que é viver. Porque só existir parece não ser o bastante.
Somos todos, em maior ou menor nível, miseráveis. Mas tudo bem. Porque mesmo nos piores dias, não estaremos sozinhos.
Mesmo nos piores dias quando não quero levantar da cama até que eu crie raízes que se alastrem pelo chão e pelas paredes. Mesmo nos piores dias em que não consigo olhar meu reflexo no espelho sem sentir nojo da pessoa que eu sou. Mesmo nos piores dias em que a masturbação se torna uma prática impossível porque nem eu mesmo quero me tocar. Mesmo nos piores dias em que sinto inveja de quem tem doenças terminais. Mesmo nos dias tão ruins que eu deixo de pensar em suicídio porque, caralho, eu mereço sofrer muito mais que isso antes de ir embora.
Tudo bem porque há uma legião de outros cadáveres ambulantes caminhando na mesma direção. Uma enormidade de pessoas que sentem medo e desespero do presente e do futuro e que não sabem lidar com o quanto que é vago estar aqui e agora se sentindo sempre forasteiras não importa aonde estejam. Gente que vai ler isso e se identificar. Somos muitos, nós temos muitas coisas em comum. Nenhum de nós é especial.
Então por quê é que eu nunca me senti tão sozinho?
Ser comum não quer dizer que seja normal ou tampouco que seja bom. E foda-se o que meu terapeuta diz: se todo mundo se sente assim então todo mundo está doente. E agora não entendo se não nos percebemos ou apenas nos acomodamos. Afinal, a fraqueza é confortável porque ela sempre vai estar lá. O que temos de mais próximo à tal da estabilidade. Não importa de qualquer forma.
No final, tudo o que podemos fazer é celebrar ritos funerários a quem nós pensávamos que poderíamos ser. Derrubar meia dúzia de flores sobre um túmulo e ignorar o fato de que não há nada sepultado nele.
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